A gelatina balística a 10% é um produto que simula com boa precisão os tecidos moles do corpo humano sem utilização de barreiras como, por exemplo, coletes à prova de balas. Também é citada em pesquisas como “gelatina nua”. O produto é utilizado para auxiliar na prática pericial em balística forense e na segurança pública e defesa nacional como, por exemplo, em testes balísticos da polícia militar e do exército.
No Brasil, a gelatina balística não é nenhuma novidade, inclusive na internet existem várias receitas caseiras para a sua produção. Entretanto, elas não seguem um método científico e não podem ser utilizadas como material simulador em perícias criminais ou em pesquisas científicas, justamente pela falta de padronização metodológica inerente a estas receitas caseiras, característica mais importante de um estudo acadêmico-científico e que torna seus resultados confiáveis para a comunidade científica de maneira geral em termos de praticabilidade e reprodutibilidade.
Após anos de testes com diferentes formulações, o professor da Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto (Forp) da USP, João Paulo Mardegan Issa, e o doutorando Lucas Meciano Pereira dos Santos, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP) da USP, com apoio do Departamento de Patologia e Medicina Legal da FMRP, desenvolveram uma gelatina balística a 10%, com formulação padronizada, de acordo com o protocolo do FBI, unidade de polícia investigativa e inteligência interna vinculada ao Departamento de Justiça dos Estados Unidos, referência no assunto.
Segundo Issa, o projeto surgiu em função de sua experiência com biomateriais e a sua trajetória como professor de anatomia humana envolvendo a área de Medicina Legal e Patologia. Segundo ele, a pesquisa científica com foco na balística forense ainda é pouco explorada no Brasil e guarda uma relação muito importante com a área da saúde. O professor conta que por conta de estudos na graduação e na pós-graduação, orientados por ele, “surgiu a necessidade de desenvolver um produto brasileiro devido ao alto custo com importações”.
O produto tem registro de patente aberto pela Agência USP de Inovação (Auspin) e, por conta disso, sua composição não pode ser revelada neste momento. Ele visa de imediato, segundo Issa, a atender a área pericial ligada à medicina legal e odontologia legal, contemplando a área da segurança pública e defesa nacional via interfaces científicas com a balística forense. Em um segundo momento, a ideia, diz o professor, é adaptar a gelatina balística a 10% para simulações cirúrgicas, já que o produto, apesar de proporcionar uma característica homogênea a uma estrutura totalmente heterogênea que é o corpo humano, é capaz de substituir os tecidos moles humanos com bastante fidedignidade, principalmente na reprodução de fatores como a bioelasticidade inerente a este tipo de tecido, por exemplo.
Diferença e impacto do novo produto
O material desenvolvido, segundo Issa, pode ter forte impacto no teste de munições de uso das forças de segurança pública e defesa nacional e também na perícia de crimes cometidos com armas de fogo. “Se há uma suspeita em relação a calibre, por exemplo, e se existem determinadas características de projéteis em um crime ocorrido, é possível realizar testes neste material e analisar o desempenho balístico suspeito, como quanto o projétil expandiu, quanto o projétil teve de retenção de massa ou quanto o projétil penetrou no corpo da vítima”, afirma o professor.
*Texto: Jornal da USP