Mulheres da geração Z, formada por nascidos entre 1995 e 2010, são mais progressistas do que os seus contemporâneos do sexo masculino em diversas partes do mundo. Uma pesquisa feita em 2024 pela Gallup, empresa de opinião pública norte-americana, mostrou que nos Estados Unidos as mulheres entre 18 e 30 anos são 30 pontos porcentuais mais liberais do que os homens da mesma geração. No Brasil o cenário não é diferente. Um estudo da Genial/Quaest apontou que as mulheres da geração Z são as únicas que se encaixam na definição de progressistas.
Ser progressista está associado a ser contrário aos ideais conservadores e defender pautas relacionadas à igualdade, inclusão social e ampliação dos direitos civis. A adesão feminina a essas ideias são apontadas como uma das responsáveis pela queda nas relações, casuais ou duradouras, estabelecidas pela geração Z. O IGen, estudo científico feito pela psicóloga americana Jean Twenge, mostra que pessoas da geração X, nascidas entre 1965 e 1981, tinham o dobro de parceiros sexuais ao longo da vida que a geração Z tem.
Natália Gallo Mendes Ferracioli, doutoranda e mestre em Psicologia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, afirma que, além da geração Z estar mais centrada nas próprias prioridades, como construir uma carreira e buscar novas experiências, a politização feminina torna as mulheres mais críticas, o que ocasiona a queda no número de relações desse grupo.
“Por estarem mais conscientes das opressões impostas pelo patriarcado, as mulheres de hoje conhecem seus direitos e capacidades. Assim, elas não se identificam com as dinâmicas tradicionais de relacionamentos e alteram os padrões esperados nesse modelo, que seria uma postura de passividade, disponibilidade e submissão aos homens. Grande parte dos homens cisgêneros heterossexuais ainda não se desconstruiu o suficiente e ainda são machistas, emocionalmente distantes ou incapazes de acolher e expressar sentimentos, o que não serve mais às mulheres.”
Movimentos heteropessimistas
Além de ocasionar a queda no número de relações, a politização feminina tem despertado o surgimento de movimentos sociais que negam os relacionamentos heterossexuais, já que, como aponta Natália, os homens cisgêneros héteros são considerados pelas mulheres progressistas a raiz das frustrações emocionais.
Na Coreia do Sul, um país culturalmente mais conservador, a pesquisa da Gallup revelou que a divisão política entre homens e mulheres da geração Z é ainda mais acentuada. Mulheres jovens são 50 pontos mais progressistas que os homens da mesma idade. Foi no país que surgiu o 4B, que significa bihon (recusa do casamento heterossexual), bichulsan (recusa à gravidez), biyeonae (recusa ao namoro) e bisekseu (recusa a relações sexuais heterossexuais). Ou seja, “os quatro nãos”: não casar, não ter filhos, não namorar e não fazer sexo. O movimento faz parte de um fenômeno que tem ganhado força, o celibato voluntário.
“A palavra celibato é comumente associada a crenças religiosas, mas nesse caso o termo significa a escolha deliberada de se abster de relacionamentos afetivos sexuais como uma espécie de detox de homens que algumas mulheres têm feito”, explica Natália.
O celibato voluntário tem sido associado à ideia de que, mesmo sentindo atração física, as mulheres se abstêm de envolvimentos heterossexuais como forma de se proteger de frustrações. Essa mentalidade de descrença de relacionamentos harmoniosos e satisfeitos com homens é chamada de heteropessimista. O termo foi cunhado em 2019 pelo escritor queer norte-americano Asa Seresin, que estuda gênero e sexualidade e publicou o ensaio científico On Heteropessism.
“Este neologismo expressa uma visão descrente e pessimista de relacionamentos heterossexuais, o que se manifesta na forma de arrependimento, constrangimento ou desesperança em relação à experiência heterossexual”, diz a psicóloga Natália.
A mentalidade heteropessimista encoraja mulheres a não se relacionarem com homens como uma barreira sentimental ou estratégia de autopreservação, o que acaba por incentivar o autocuidado feminino e a valorização de companhias não românticas. Sobre o heteropessimismo, Natália também acrescenta que, como apontado no estudo de Asa Seresin, ele é performativo porque, embora seja sincero, não vem acompanhado de uma renúncia à heterossexualidade. Como explicado pela psicóloga, isso significa que o heteropessimismo não leva alguém a se tornar homossexual ou mudar sua orientação sexual. “Esse adendo é importante porque, por mais absurdo que isso pareça, ainda há quem acredite no mito de que mulheres lésbicas ou bissexuais, por exemplo, se relacionam com outras mulheres por terem se decepcionado com os homens ou por não terem encontrado um ‘homem de verdade’”, completa a especialista.
Estruturas patriarcais
Natália, que também é membro do Laboratório de Ensino e Pesquisa em Psicologia da Saúde (LEPPS) da FFCLRP, ressalta que não é prudente associar comportamentos tóxicos dos homens à postura mais progressista das mulheres. “Justamente por essas mulheres manifestarem uma visão de mundo diferente da tradicional patriarcal é que podem perceber certos comportamentos que por muito tempo foram considerados normais mas que são inaceitáveis, como, por exemplo, o ciúme excessivo ou imposições.”
Embora as mulheres progressistas estejam considerando o distanciamento dos relacionamentos heterossexuais uma solução para lidar com as decepções causadas por homens, Natália defende que a mudança efetiva nos modelos de relacionamentos depende de uma transformação estrutural.
“Para pensar em suplantar o heteropessimismo não bastaria uma atitude particular de uma pessoa, mas sim de uma mudança de cultura e de expectativas sociais sobre homens e mulheres. Do contrário, seria apenas uma absolvição pessoal que em nada muda a cultura heterossexual que precisa de uma reconstrução”, finaliza a psicóloga.
**Por Jornal da USP