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Por mais professores e menos educadores nas escolas  

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Por mais professores e menos educadores nas escolas  
Ivo Di Camargo Junior é doutor em Linguística e Língua Portuguesa pela Ufscar

Nas bocas de grandes especialistas em educação, escolas, burocratas de secretarias, prefeituras e governos, sempre há a frase lapidar de que o professor é alguém que possui uma “missão”. Se alguém desavisado ouvir isso, vai acreditar que está se tratando de uma profissão de fé, como se fossem os professores da mesma classe que padres ou pastores, bispos, etc.

Um outro equívoco muito comum ocorreu comigo num outro dia. Chamado a dar uma entrevista para a TV Clube de Ribeirão Preto, sobre as Organizações sociais assumirem uma creche pública,  a repórter perguntou meu nome completo para colocar no telejornal e disse-me: “profissão, educador, né?”. Nesse momento eu recordei-me algo. Em um vídeo do magnífico jornalista e pensador, Alexandre Garcia, que numa aparição do Bom Dia Brasil, em crítica ao descalabro da educação brasileira, afirmou que educadora é a mãe. Professor é Professor. Falei para a repórter que eu era Professor, não educador. Ela estranhou. Expliquei-lhe que dar-me o título de educador reduziria a minha expertise profissional no campo em que atuo.

Deixo claro que não sou contra as educadoras, pedagogas, pois trabalho com muitas e vejo a labuta diária e profissionalismo de muitas. O que sou contra é o que a mudança linguística traz junto com a palavra. Essa recente substituição da palavra professor por educador ocorre devido a um discurso politicamente correto que se tornou repetitivo nas universidades, livros científicos, defesas de teses, entrevistas diversas, reuniões de pais e pedagógicas, entre outras ocorrências menores. Mesmo que haja uma intencionalidade positiva nessa troca dos termos, essa mudança não é positiva e não resiste a uma análise mais apurada, sendo, por muitas vezes, utilizada em detrimento da imagem da profissão, sendo uma sabotagem da condição do professor.

Pense no seguinte aspecto, principalmente se você é professor. Uma mudança de foco aconteceu e por isso eu não aceitei ser chamado de educador, porque sou um professor. Nada contra os que são educadores e assim gostam de ser chamados, todavia, pensando pelo lado racional. Uma filosofia frouxa se forma ao dizer que todos são educadores. O caráter intelectivo do professor é diminuído porque se leva em conta nessa mudança um olhar maior para a vocação para o ensino em detrimento do preparo para o ensino. Aqui nesse ponto valoriza-se o não científico em detrimento do saber científico. É quase que tornar a docência um ato de fé e uma atividade missionária e não defender que é uma profissão técnica, científica, que demanda preparo que um profissional tenha que ter, e não qualquer aventureiro que se julgue com talento possa realizar. Falar do professor preparado como mero educador é mudar o foco de uma profissão que exige preparo e muito estudo para o campo do talento puro, de uma força maior que guia seus passos e sem necessidade de atividade intelectual constante.

A partir dessa visão, de educação sendo vista como prática de fé, passa-se a aceitar que o professor em nome da sua prática missionária possa suportar sacrifícios em nome de sua profissão. Por esse motivo, como já escrevi em artigo aqui publicado anteriormente, aceita-se muito facilmente que o professorado seja ameaçado, ofendido, agredido ou espancado (algo que presenciei esse ano com uma colega) e principalmente culpar o professor quando o aluno não aprende. Assim, quando se vende a ideia de que computadores e tablets nas salas de aula vão salvar a educação, mesmo quando ter uma biblioteca na escola é um luxo, o professor vai sofrendo a sua autoimolação e sacrifício, porque não é visto como profissional. O professor tem uma missão. Há que se acabar com essa falácia urgentemente.

Outro ponto muito nevrálgico na carreira docente é quando o professor diz que possui interesses pessoais. Chega a ser motivo de chacota, embaraço ou vergonha um professor afirmar que dá aulas para seu sustento ou para ganhar dinheiro para seu conforto. Do professorado (educadores) espera-se ideais elevados e que o professor tem que participar e não só mais ensinar. A educação deixou de vir de casa. Se tanto brigam em Ribeirão Preto, como em qualquer outra cidade do Brasil onde Organizações Sociais assumem escolas, chamando isso de terceirização, os “educadores” da atualidade deveriam lutar pelo fim da terceirização que vem da família para a escola, onde aí sim houve mudança de valores, porque a família pouco educa e deixou esse trabalho para a escola. Alguns pais e mães não ensinam o não para os filhos. Deixam esse trabalho para a educadora. Veja a que ponto chegamos. Num passado não muito distante éramos chamados de mestres e hoje somos só educadores.

Veja o que desejam desse educador da atualidade. Espera-se que ele aja como pai, mãe, terapeuta, enfermeiro ou médico, especialista em computação, formador de ideologias e agente social das escolas em que trabalha. Se ele der aulas e cobrar o conteúdo ensinado em nome do aprendizado será considerado um retrógrado. Escolas hoje em dia mais são centros sociais de convívio para a distração de crianças e adolescentes do que um verdadeiro local de formação humana e sociocultural. Nas escolas públicas, em muitas delas com dirigentes permissivos entram músicas com conteúdo erótico excessivo e se vê crianças do fundamental I dançando e rebolando. Isso é o que se pode dizer de mais leve, porque há escolas em que armas brancas, de fogo, drogas, brigas por qualquer motivo e uso desrespeitoso de celular na frente do “educador” são banalidades aceitas. Ser contra essas práticas pode render uma alcunha de preconceituoso ou amante de militarismo.

Há algum tempo, conversando com um professor amigo, excelente profissional, mestre em educação, ele me falava que na faculdade em que trabalhávamos, mas em unidades diferentes, havia uma diretora que falava que o aluno, em latim, significava “sem luz” e que por isso deveríamos acender a chama do saber nesse estudante. Incorreta estava a diretora da faculdade, por duas vezes, porque aluno não significa sem luz e porque dizer que um ser humano é sem luz é algo inadmissível, coisa de cultura fascista, essa palavra que muita gente fala para acusar aos outros daquilo que eles mesmos são. Acredito que o estudante não é alguém sem luz e que sim, ele pode ampliar a sua luz, aprendendo coisas que ele não teria acesso se não fosse por meio de um professor e da escola de qualidade.

Há as correntes que defendem que professoras alfabetizadoras devam ganhar mais do que professores doutores que passaram anos produzindo estudos e publicando seus trabalhos. A tese é a de que a missão mais nobre é a de alfabetizar a criança e não ficar apenas na universidade falando das suas teorias. Não vejo nenhum problema em uma professora alfabetizadora ganhar muito bem, até defendo o fato. O problema é querer rebaixar um professor, colega profissional, que estudou no mínimo uma década a mais que o outro, em virtude de uma atitude cega de virtuosismo por uma educação que já nasceu errada. Como diria Darcy Ribeiro, antropólogo, a crise da Educação no Brasil não é uma crise; é um projeto.”   E como todo projeto ele pode ser aprimorado e agora o ataque se dirige aos professores universitários.  O pensamento se dirige de novo à missão do educador. Como se o professorado todo tivesse que ser jesuíta e ser missionário, senão não teria valor nenhum.

Um exemplo claro está nas aulas de filosofia que muitos viram no ensino médio, mas que pouco prestaram a atenção, porque Filosofia é algo que se desvaloriza um pouco mais a cada dia. Em qualquer livro didático da área filosófica se desdenha dos Sofistas gregos, imputando-lhes o vício principal de cobrarem para ensinar. A eles se dirigem quando muito uma página dos livros. Mas o que se sobressai como gigante e colosso da filosofia (e é mesmo, mas não por este motivo) é Sócrates, pensador sempre humilde e de bravura incontestada, que ensinava a todos gratuitamente e morreu para dar exemplo e defender os seus ideais. Aliás, por meio de sua lapidar frase “só sei que nada sei”, ignorou-se muito do saber aperfeiçoado sempre e da busca pelo saber em nome de uma ignorância pedagógica. Os Sofistas eram gananciosos e cobravam. Sócrates era bom porque tinha missão e ensinava de graça.

Outra coisa que me recordo das minhas andanças como professor é a de ser infantilizado. Ali eu não estava sendo tratado como professor e sim como educador. Em uma seleção de vaga numa escola de Ribeirão Preto, de cunho social, quase duas dezenas de professores, candidatos a uma vaga de professor de português, fomos ridicularizados em dinâmicas estapafúrdias, sem nenhuma noção pedagógica séria que eu tenha percebido (aos críticos, tenho quatro especializações na área de educação), em atividades de trocas de cadeiras, troca de fitas coloridas, escrevendo sobre si mesmos e não falando para ninguém, recitando frases soltas de “pensadores da educação” como Içami Tiba ou Cortella e depois, recebendo uma prova de cunho “pedagógico” com situações problema que mais bem poderia ter sido aplicada a monitores da Fundação Casa do que a professores do ensino fundamental ou Médio.

O que é pior nessas situações que aqui relato é que essas práticas são vistas como modernas e atuais e o profissional da educação que não se sujeitar a isso não terá vaga. Será malvisto quem não dançar na frente de concorrentes a uma vaga. Ele será o defensor do tradicional, obsoleto, inadequado. O que isso produz? Uma redução da diferença intelectual entre o aluno e o professor (não para melhor) e para que haja educação de qualidade é necessário que exista essa diferença, porque ela vai promover uma palavra mal-usada atualmente, que mais permite direitos do que promove deveres: respeito. O educador atual tem que saber a novela que o aluno assiste, as músicas sem sentido que ele ouve, os youtubers sem nenhum preparo intelectual que eles assistem. Tudo isso em nome da igualdade entre o educador e o aluno. Existe na atualidade uma aversão a ser inteligente. Quem é educador está na moda. Ser professor é defender o mal.

O professor está sendo afastado de maneira irremediável da sua função e trabalho intelectual. De uma pessoa que tem como profissão contestar a realidade e criticá-la por meio do intelecto e do ensino, passou a ser um títere (eu poderia escrever marionete, mas gosto de ampliar vocabulários) de iniciativas que extraem de si todo o respeito que ainda resta na sua profissão. Professor tem que ser bem pago pelo que ele pode produzir, que é saber intelectual e transmissão de conhecimento e não por ser amigo do aluno, o que entende, que dá afago e compreensão. Podemos fazer tudo isso, sem abrir mão da nossa função intelectual. É ela que nos define como profissionais.