Nos últimos anos, o comportamento sexual das novas gerações — principalmente a geração Z — vem sofrendo transformações significativas, muito influenciadas pelo avanço tecnológico e pela popularização do ambiente digital. Segundo Carmita Abdo, professora da Faculdade de Medicina (FM) e coordenadora do Programa de Estudos em Sexualidade (ProSex) do Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas (HC), ambos da USP, o desenvolvimento dos relacionamentos sexuais à distância e a utilização de plataformas virtuais para consumo de pornografia criaram novas dinâmicas para a vida sexual dos jovens.
De acordo com a especialista, esse fenômeno alterou a forma como a sexualidade é exercida, especialmente para quem passou parte da adolescência durante o confinamento da pandemia de covid-19. Ela explica que, ao contrário das gerações anteriores, muitos jovens atualmente têm seu primeiro contato com a sexualidade através de experiências virtuais. “A iniciação sexual, corpo a corpo, que antes ocorria por volta dos 15, 16 anos, hoje pode ser inexistente mesmo entre jovens de 18 a 20 anos”, observa Carmita.
O confinamento provocado pela pandemia tirou a alternativa de contato físico de quem estava na iniciação sexual e, ao iniciarem dessa forma, muitos jovens acabam atrelando esse tipo de relacionamento como preferencial ou até único. Sendo assim, esses jovens podem já ter explorado a sexualidade em ambiente virtual, mas sem contato físico com outra pessoa, o que levanta questões sobre as implicações emocionais e sociais dessa nova forma de vivenciar o sexo.
Nova realidade
Esse comportamento, segundo Carmita, deve ser entendido dentro de uma nova realidade na qual o sexo virtual e o consumo de pornografia online são vistos como alternativas válidas e acessíveis. Esse tipo de relacionamento, mesmo que envolva o desejo, a excitação e até o orgasmo e a ejaculação, é muitas vezes relatado como uma “ausência de sexo” em pesquisas tradicionais, uma vez que o contato presencial não ocorre, algo inusitado para gerações anteriores. De qualquer forma, ela afirma: “Não há dúvida que o sexo virtual, o uso da pornografia e a autoerotização nunca foram tão profícuos como nos dias atuais. É uma nova tendência, é uma forma de exercício sexual muito própria dessa geração”.
A docente explica que essa relação é algo muito mais direta, do indivíduo para com ele mesmo, estimulado pelo que ele vê na tela e pelo que ele ouve, já que os órgãos do sentido exigidos nessa prática são a audição e a visão, sem toque, cheiro, gosto ou mesmo comprometimento emocional. “Isso acaba levando, pelo hábito, a uma falta de jeito e de desempenho adequado na relação com a outra pessoa. A autoerotização é algo com a qual o outro não consegue competir, porque é tão perfeita e justa a relação daquilo que o cérebro quer com aquilo que a minha própria mão exerce que, quando estou com alguém, não tenho a mesma excitação”, complementa.
Outro ponto destacado pela sexóloga é o impacto psicológico do uso excessivo de telas. Ela informa que a tecnologia influenciou a vida como um todo, inclusive a atividade sexual, já que o brasileiro passa nove horas do dia diante das telas, segundo maior índice do planeta (atrás apenas da África do Sul). Essa exposição digital constante altera não só o comportamento sexual, mas também a socialização dos jovens, que se acostumam com a ausência de interações presenciais e podem apresentar dificuldades ao se relacionarem fisicamente.
O distanciamento dos encontros presenciais, conforme a professora, também afeta a expectativa e a autoconfiança dos jovens. Ao assistir a corpos idealizados e performances sexualizadas na pornografia, muitos jovens passam a ter expectativas irreais sobre as outras pessoas, além de duvidar da própria capacidade e aparência, o que aumenta a insegurança e o constrangimento quando confrontados com uma interação real. “Se eu tenho menos convívio, eu tenho mais necessidade de me manter no meu isolamento, porque eu não tenho tanto treino, me sinto às vezes até pouco à vontade, e isso tudo leva à permanência dessa atividade sexual ‘solitária’, ou pelo contrário, muito bem ‘acompanhada’”, conclui.
Consequências sociais
Carmita Abdo reflete sobre como a constante exposição a variados tipos de sexo normalizou, para a nova geração, uma gama mais ampla de práticas e preferências. Ela argumenta que tudo aquilo que é repetido e visto com frequência acaba por ser mais facilmente aceito, o que, no caso da sexualidade, significa uma maior naturalização do sexo virtual como uma atividade sexual legítima. Entretanto, ela adverte que essa “naturalização” ainda é acompanhada por um distanciamento social significativo.
Para a psiquiatra, é necessário observar como essas mudanças impactam as gerações futuras, especialmente em questões como saúde mental e relacionamentos interpessoais. “O que a gente percebe é uma pouca habilidade para o convívio social e, assim, um certo comportamento inadequado dentro desse convívio, que vai desde o constrangimento, a timidez e a falta de tato no jogo social até uma total irritabilidade e agressividade diante de situações nas quais essa pessoa não tem o controle. O controle diante da tela é total do indivíduo que está ali, mas quando ele vai para o social, ele tem que se compor”, finaliza.
**Por Jornal da USP