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Precisamos falar sobre números e políticas públicas

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Precisamos falar sobre números e políticas públicas
José Manuel Lourenço é jornalista e bacharel em Ciência Política

Nunca entendi porque uma cidade como Ribeirão Preto não tem algum tipo de órgão responsável pela produção e tratamento de dados locais. Uma espécie de IBGE municipal, algo que pudesse centralizar os milhões de informações que produzimos em áreas como educação, saúde, cultura (é, cultura também, senhores gestores), transportes, entre outros.

Você já imaginou o quanto se produz de informações em Ribeirão Preto por dia/mês/ano e que, na maior parte das vezes, acaba se desperdiçando? Agora, imagine se houvesse um instituto, algum tipo de autarquia ou fundação – com um saudável e necessário grau de independência em relação aos donos do poder do momento – e que fosse a base para a elaboração de políticas públicas ou de documentos como Plano Diretor e as suas leis complementares.

Esse tipo de iniciativa poderia fazer com que não apenas ribeirão-pretanos conhecessem melhor a sua cidade como, principalmente, possíveis investidores. Afinal, online, poderiam ter acesso a diversas informações sobre a cidade, eventuais incentivos existentes para a instalação de novas empresas, proibições legais e, obviamente, locais disponíveis e possível infraestrutura existente.

Tem mais. E se, no momento da elaboração de um orçamento municipal, os responsáveis pela elaboração dessa peça pudessem saber exatamente qual a situação de cada área? Talvez se chegasse à conclusão que o total investido em uma determinada área é demasiado ou que se pretende investir em cultura, por exemplo, é ridículo (obviamente, esse não é o caso de Ribeirão Preto, que investe milhões de reais nessa área e não em publicidade, por exemplo).

Continuando o nosso exercício de imaginação, pense agora, caro leitor, que essa mesma produção de dados também envolvesse o Poder Legislativo. Sim, porque, afinal, poderíamos saber, em questão de segundos, a produção de cada vereador, os principais projetos que elaboraram com o nosso dinheiro, como votaram em projetos vitais para a cidade, o índice de presenças, pautas das sessões e por aí vai.

Não falo de portais de transparência, como os que existem hoje, mas uma estrutura física, com sede e profissionais, cuja face visível fosse um portal assente sobre uma gigantesca base de dados, que permitisse o cruzamento de informações e uma bem-vinda nova visão sobre velhas questões.

Em síntese, uma espécie de supersecretaria que tivesse liberdade para acessar os dados das demais secretarias, autarquias e fundações e sugerir políticas públicas que envolvessem, por exemplo, ações conjuntas de educação/ esporte/ cultura/lazer ou segurança/transportes. Tanto faz.

É caro, diriam alguns. Não é, diria eu, porque cada centavo que fosse gasto nesse IBGE local levaria à economia de vários reais, gastos hoje de forma aleatória em políticas baseadas no uso de canhões para matar mosquitos.

Acha que chegou ao fim? Não, não acabou. E se, dentro dessa espécie de “think tank” municipal pudesse ser criado um grupo, com duas ou três pessoas, cuja única função fosse buscar recursos a fundo perdido ou juros camaradas para o financiamento de alguns projetos municipais? Talvez na área de cultura, por exemplo, que já percebemos que nunca será uma prioridade neste e em qualquer outro governo.

Bobagem? Não, não é. Isso é feito há muito tempo em uma pequena cidadezinha chamada Peniche, por meio de um convênio com uma instituição de ensino superior local. O resultado são milhões de euros por ano, obtidos a fundo perdido, investidos basicamente em ações de promoção do turismo e cultura. E lamento informar que funciona muito bem. E lamento informar mais ainda que esse não é apenas um procedimento corriqueiro, mas obrigatório, em muitas cidades europeias.

É claro que a existência de um órgão como esse talvez trouxesse algumas contraindicações para os gestores públicos, que é aquela coisa idiota, desnecessária e totalmente ridícula de achar que o cidadão tem de controlar o governo. Coisa chata, essa!

Para nós, cidadãos, também seria ótimo, porque tendo uma ferramenta como essas à disposição, acabaria a tradição nacional de xingar os políticos, sem nos darmos ao trabalho de minimamente saber o que estão fazendo. Os nossos representantes na Câmara ou na Prefeitura são ruins? Bem, lamento muito informar que alguém votou neles o que, em última instância, não nos torna muito melhores do que suas excelências.  

A cidade de Curitiba, em menor escala, tem um órgão semelhante ao que poderia ser criado aqui, voltado unicamente para o planejamento urbano: chama-se Ippuc (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano) e foi criado em 1965. Tudo bem, não quer criar um IBGE nacional? Ok, vamos de Ipuc-RP mesmo. Ah, mas a secretaria de Planejamento já faz isso! Não, não faz mesmo, por um motivo muito simples: de forma paradoxal, essa secretaria e todas as outras da administração municipal têm uma visão estanque dos problemas, limitadora, sem percepção de conjunto. E as consequências desse tipo de visão, tanto em termos econômicos como sociais, são enormes para todos nós, todos os dias, de todas as formas.