Está na pauta do pleno do Supremo Tribunal Federal a decisão sobre o momento em que o condenado em primeira instância, por crime apenado com reclusão, deve iniciar o cumprimento da pena. Existem precedentes do próprio STF, no sentido de que o condenado em segunda instância deve ser recolhido à prisão. A nova discussão foi provocada por condenados em segunda instância nas diversas fases da operação “lava jato”, incluindo o ex-presidente Lula.
Por certo, uma das perguntas que o cidadão comum faz diante dessa discussão é: em que medida a prisão ou não do condenado por sentença confirmada em segunda instância repercute em minha vida? Ou: qual o benefício ou o prejuízo que essa esperada decisão pode causar à sociedade? Pois bem, tanto para o cidadão, isoladamente, como para o corpo social, toda vez que alguém pratica um crime, independentemente de quem tenha sido a vítima, a ordem jurídica e a paz social são atingidas, causando prejuízo à toda sociedade. Qual a pessoa de bem que não fica indignada quando se depara com a notícia da ocorrência de um crime? Essa situação se agrava quando o ilícito envolve o desvio de dinheiro público, porque é o produto dos tributos pagos pelos contribuintes, que sustenta serviços essenciais, como educação, saúde, segurança pública, construção e preservação de rodovias, dentre outros. Nesse caso, o dinheiro que foi criminosamente para o bolso de corruptos poderia ser destinado à melhoria de qualidade de vida de pessoas que vivem na pobreza, a investimentos na saúde e na educação. Estima-se, a título de exemplo, que mais de 8 trilhões de reais tenham sido subtraídos pelos envolvidos na “lava jato”, importância superior ao PIB do Brasil em 2018. Imaginem quantos benefícios essa vultosa soma de dinheiro poderia agregar ao País. Situação idêntica acontece quando se trata de organizações criminosas, que tem o tráfico de entorpecentes, o tráfico de armas ou milícias privadas como atividade. Ilustro aqui com os números do vício e dos homicídios no País: em divulgação recente, o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime apontou que 29 milhões de brasileiros adultos dependem de drogas. Desnecessário acrescentar o estrago que a dependência química provoca aos usuários e a seus familiares. Por outro lado, o índice nacional de homicídios, criado pelo Portal G1, registra que nos cinco primeiros meses deste ano, 17,9 mil mortes violentas aconteceram no Brasil. O equivalente a população de uma cidade do porte de São Simão.
Então, se ficar definido que a prisão somente terá lugar após o trânsito em julgado da condenação, ganharão os autores de crimes hediondos como aqueles anteriormente mencionados. A decisão não mudaria em nada a situação de criminosos das classes menos favorecidas economicamente. Esses não possuem a mesma facilidade dos barões do crime, que têm dinheiro de sobra para contratar os melhores escritórios de advocacia do País, conseguindo levar até o STF seu arsenal de recursos. Os condenados pobres dificilmente conseguem passar da segunda instância. Perderá, de outra parte, toda a sociedade, com o agravamento da impunidade e o aumento da insegurança.
Na segunda metade do século XVIII, o jurista italiano Cesare Beccaria já apontava que “justiça boa é justiça rápida”. Difícil contestar essa máxima, e se o recolhimento à prisão somente for levado a efeito depois do trânsito em julgado, a lenta justiça brasileira verá reduzir, ainda mais, sua qualidade, uma vez que o percurso de todas as instâncias, com recursos na maioria das vezes protelatórios, levaria o desfecho do processo à eternidade. A prescrição atingiria enorme volume de condenações. Seria um viva à impunidade.
A Constituição Federal prescreve em seu artigo 5º, inciso LVII, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”. A questão que se coloca é a seguinte: excluídas as hipóteses de prisão provisória, o trânsito em julgado vincula, necessariamente, o início do cumprimento da pena? A questão é interpretativa, e pode perfeitamente ser resolvida em favor dos interesses da sociedade, pois a decisão condenatória que já passou por um juiz singular e um colegiado de desembargadores dificilmente será reformada em terceira ou quarta instância. Matéria recente do jornal “O Globo” divulgou que menos de 1% de decisões de segunda instância são reformadas pelo Superior Tribunal de Justiça. A manutenção dos precedentes do STF, que admitem a prisão após condenação em segunda instância não seria nenhuma escatologia jurídica, até porque em países que inspiraram nossa lei penal, como Portugal e Alemanha, a prisão após condenação em segunda instância é a regra, também adotada pelos Estados Unidos e pela França.
Assim, nesse difícil momento pelo qual passa a sociedade brasileira, acometida por altos índices de criminalidade, e abatida pelo fenômeno da corrupção nos mais altos escalões do poder, o início do cumprimento da pena após o trânsito em julgado seria mais um duro golpe – daqueles que abalam o orgulho de ser brasileiro.
O que se espera é que os senhores Ministros deixem de lado a batalha de vaidades, as rusgas internas, a sede de desqualificar o trabalho daqueles que militaram na operação “lava jato”, e o excesso de academicismo, para fazer um esforço de bom senso e razoabilidade. Com isso, não agravariam, ainda mais, o sentimento de injustiça que está incrustrado na alma dos brasileiros.