Professores relatam agressão de alunos ao impedir uso de celular em sala de aula

No último dia 18 de setembro, um professor de uma escola estadual foi agredido pelo tio de um aluno depois de retirar o celular da mão do menino

Imagem ilustrativa | Foto: Freepik

Durante uma aula de português para o 1º ano do ensino médio, a professora notou que um dos alunos estava mexendo no celular. Ela pediu que ele guardasse o aparelho, mas não foi atendida. Na terceira vez que foi ignorada, disse para o estudante sair da sala.

Exaltado, o jovem de 15 anos se levantou, começou a xingar a professora e a ameaçou, dizendo que iria “acabar com ela”. Antes de deixar a sala, ainda bateu o celular com força no braço da docente.

Em vez de ir para a coordenação ou a direção, o estudante pulou muro da escola e voltou minutos depois acompanhado do irmão mais velho, que aos gritos ameaçava a professora por ter tentado coibir o uso do celular.

O caso aconteceu em junho em um colégio estadual de Paranavaí, no interior do Paraná. Mas situações parecidas de professores sendo desrespeitados, ameaçados e até agredidos por pedir que os alunos não mexam nos celulares durante as aulas têm sido registradas em outras escolas públicas e particulares do país.

Os educadores relatam que os embates relacionados ao uso de celular sempre ocorreram, mas avaliam que os alunos estão mais resistentes e têm tido reações mais agressivas quando precisam deixar o aparelho de lado.

Para o psiquiatra Rodrigo Bressan, a percepção dos professores é um forte indicativo de que o uso se tornou vicioso para o estudante.

“Quando o indivíduo têm uma relação de dependência com algo, seja cigarro, álcool ou celular, ele fica irritado e agressivo ao ser confrontado ou solicitado a interromper o uso. É uma relação que é perigosa e danosa tanto para o aluno como para o professor”, diz Bressan, que é também neurocientista e presidente do Instituto Ame sua Mente.

Por envolver essa relação de dependência, Bressan defende que a decisão de proibir o uso de celular não pode recair sobre o professor, mas deve ser uma política da escola ou das redes de ensino.

“O professor não pode entrar nessa briga sozinho. A maioria das escolas têm regras que proíbem o uso do celular durante a aula, mas elas não têm sido suficientes. É preciso uma postura mais assertiva, o professor não pode ser o único responsável por controlar esse uso.”

O especialista defende a medida estudada pelo governo Lula (PT) de banir o uso de celulares pelos estudantes em todo o ambiente escolar. Para ele, a proibição pode trazer benefícios para o desempenho, mas sobretudo para a saúde mental dos alunos e professores.

O caso em Paranavaí, por exemplo, trouxe consequências graves para os envolvidos. No dia do episódio, a polícia foi acionada pela direção da escola e todos foram levados para a delegacia.

A professora fez exame de corpo delito. O adolescente foi autuado pelos atos infracionais de agressão e ameaça. No início de setembro, um juiz da Vara da Infância e da Juventude determinou que ele cumpra sentença de prestação de serviços à comunidade por três meses.

Já a professora, que por medo não quis ter seu nome identificado, pediu para ser afastada da escola. Ela contou que teve crises de ansiedade e insônia, além de receio de voltar a dar aula para o menino.

O Paraná é um dos estados brasileiros que possuem regra que limita o uso de celular apenas para atividades pedagógicas. Os professores, no entanto, afirmam que a restrição é quase impossível de ser cumprida, já que é difícil fiscalizar o que os estudantes.

Foi durante uma atividade online com a turma de 8º ano que uma professora de matemática foi agredida por uma aluna de 13 anos.

A docente havia pedido que alunos fizessem exercícios em uma plataforma, que foi adquirida pela direção da escola particular de Limeira, no interior de São Paulo. Ela, no entanto, percebeu que a menina havia aproveitado o aparelho para fotografar um colega com deficiência e enviar a imagem um grupo.

Ao ver a aluna rindo com outras colegas, a professora pediu que ela mostrasse o que estava fazendo com o celular. Ela se negou a mostrar e continuou a tirar fotos.

A professora então falou para a aluna se retirar da sala e ir até a coordenação. A menina se levantou, mas no caminho começou a xingar a professora e a empurrou contra a lousa.

Para a professora, controlar o que os alunos fazem com o celular em mãos é praticamente impossível. Por isso, ela diz ser contra atividades que envolvam o aparelho dentro da sala de aula. Com mais de 20 anos de docência, ela afirma os alunos aprendem mais com a interação presencial do que com a tecnologia.

Em nota, a Secretaria de Educação do Paraná disse que não cogita mudar a regra para o uso de celular nas escolas. Segundo a pasta, não há punição para o aluno que descumprir a regra e a orientação é para que os professores conversem com o estudante ou os pais se for necessário.

Sobre o caso de agressão, a pasta da gestão Ratinho Junior (PSD) disse que a professora “perdeu a calma”.

Os confrontos envolvendo celulares em sala de aula levaram o governador de Mato Grosso, Mauro Mendes (União Brasil), a apresentar na última semana um projeto de lei que proíbe completamente o uso dos aparelhos.

No último dia 18 de setembro, um professor de uma escola estadual foi agredido pelo tio de um aluno depois de retirar o celular da mão do menino.

O docente tirou o aparelho ao perceber que estava sendo filmado. No fim do dia, o familiar foi até a escola para tirar satisfação com o professor e o agrediu na cabeça com uma garrafa térmica. Um boletim de ocorrência foi registrado.

“Várias pesquisas já mostraram que os celulares prejudicam a concentração dos alunos e, consequentemente, as condições de trabalho dos professores. Não dá pra continuar permitindo algo tão nocivo dentro das salas de aula”, diz Bressan.

ISABELA PALHARES / Folhapress