Profissionais do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto criticaram, através de uma nota de repúdio publicada nesta quarta-feira (12), a divulgação do “Kit Covid”, que, segundo a nota, não existe eficiência no combate da pandemia do novo coronavírus.
O documento, assinado por 25 profissionais da saúde, alerta para os riscos e a ineficácia de medicamentos como a hidroxicloroquina, azitromicina, ivermectina, zinco, nitazoxanida, vitamina D e terapia com ozônio.
“Além da falta de qualquer suporte científico à utilização desses medicamentos, que justificassem sua distribuição para a população, os benefícios apregoados em algumas cidades não resistem minimamente a uma comparação objetiva de indicadores epidemiológicos da covid-19, com outras cidades de população similar que não os utilizam”, diz trecho da nota.
Uso dos medicamentos
Em Sertãozinho, o prefeito Zezinho Gimenez anunciou, no dia 21 de julho, a inclusão da hidroxicloroquina e azitromicina no protocolo de atendimento oferecido pela rede municipal de saúde da cidade.
Em pronunciamento publicado nas redes sociais, Gimenez afirmou que ele mesmo usou o medicamento quando apresentou sintomas da doença, mas ressaltou que a indicação deverá ser feita por um profissional da área médica.
“Coube a mim essa difícil decisão, […] decidimos pela orientação do Ministério da Saúde quanto a utilização da cloroquina a azitromicina para o tratamento precoce da covid-19”, afirmou Gimenez no vídeo.
Um dia após o anúncio, quatro médicos infectologistas pediram o desligamento do Comitê de Combate ao Covid-19 de Sertãozinho. No documento, os médicos afirmam que um parecer técnico deixou claro que não existem resultados científicos que justifiquem o uso da cloroquina, e que o medicamento pode ainda ter efeitos adversos, sendo desaconselhado, de acordo com o parecer, para uso em Sertãozinho.
Em contrapartida, o diretor médico do CEATOX do Hospital das Clínicas da FMUSP, médico pediatra, toxicologista e assessor da Organização Mundial da Saúde (OMS), Anthony Wong, informou, em entrevista ao programa Mentoria Ribeirão no dia 27 de julho, que defende o uso da hidroxicloroquina por parte do Estado e municípios no período inicial da doença.
“Se o paciente passar de 10,15 dias, ele já passou da fase de usar, aí tem que usar outro tipo de remédio. Hidroxicloroquina e azitromicina funcionam bem na fase inicial, para não complicar o quadro, a evolução do paciente”, explica Anthony Wong.
“Quem está contra a hidroxicloroquina está fazendo um crime de omissão porque é o único tratamento hoje em dia que funciona nos primeiros 7 dias. Ou eles preferem que o paciente fique tão grave ou tem que entrar na UTI e ficar no respirador?”, questiona.
Nota à imprensa
Nós, abaixo assinados, professores, médicos, diretores, chefes de departamentos e demais profissionais da saúde da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (HCFMRP-USP) e das entidades gerenciadas pela Fundação de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Assistência (Faepa) vimos a público manifestar nosso repúdio às insinuações expressadas por certos órgãos de imprensa e nas mídias sociais no sentido de que estaria ocorrendo irresponsabilidade dos serviços públicos de saúde pela não adoção dos chamados “kits covid”, que, de acordo com a opinião manifestada nesses veículos, seriam eficazes na prevenção das formas graves da covid-19. Para tanto, são propalados conteúdos com repetidos exemplos de cidades do Brasil onde, de acordo com opiniões de prefeitos e moradores, resultados favoráveis têm sido obtidos com a distribuição populacional desses medicamentos.
Cumpre esclarecer que estas opiniões não têm embasamento científico robusto, tendo sido refutadas por estudos bem recentes, metodologicamente muito bem conduzidos, que, unanimemente, apontam completa ausência de efeito protetor ou curativo de drogas como hidroxicloroquina e azitromicina em qualquer fase evolutiva dos casos de covid-19.
Com base unicamente na opinião de alguns, tais informações defendem ainda a utilização de produtos como ivermectina, nitazoxanida, zinco, vitamina D e ozônio, nunca submetidos a estudos controlados, agredindo o bom senso e as modernas práticas científicas. Além da falta de qualquer suporte científico à utilização desses medicamentos, que justificassem sua distribuição para a população, os benefícios apregoados em algumas cidades não resistem minimamente a uma comparação objetiva de indicadores epidemiológicos da covid-19, com outras cidades de população similar que não os utilizam.
A insistência em transmitir ao público estas falsas informações constitui grave irresponsabilidade por parte dos criadores desses conteúdos e de alguns órgãos da imprensa, posto que levam a opinião pública a acreditar em soluções pretensamente milagrosas e a ingerir drogas que, além de ineficazes para a covid-19, possuem efeitos colaterais potencialmente graves. E ainda mais, a experimentar uma falsa sensação de segurança que possivelmente leve a um relaxamento das medidas comprovadas cientificamente como de alto impacto na interrupção da cadeia de transmissão, como o distanciamento social, o uso contínuo de máscara e a correta e constante higienização das mãos.
Ressaltamos que, com os recursos que temos disponíveis e com o grande esforço e engajamento das equipes hospitalares e administrativas, os resultados assistenciais obtidos pelos hospitais do Complexo HCFMRP-USP-Faepa demonstram um cuidado seguro e de qualidade aos pacientes internados por covid-19, comparáveis aos dos melhores hospitais do Brasil e de países desenvolvidos.
Adicionalmente, o protocolo de manejo de pacientes com covid-19 do HCFMRP é frequentemente revisado por uma equipe de especialistas, e também atualizado de acordo com as mais recentes publicações científicas e boas práticas médicas.
Finalmente, temos um compromisso firmado com a Sociedade que nos leva a utilizar os melhores tratamentos disponíveis e não nos furtaríamos em ofertar esses medicamentos se houvesse a menor base que os justificasse.
Ainda que se deva respeitar o direito de cada profissional médico em prescrever a medicação que julgar adequada para seus pacientes, assumindo individualmente a responsabilidade pelos seus atos, não se pode compactuar com políticas públicas que destinem recursos substanciais para tratamentos sem comprovação de sua eficácia, ao invés de aplicá-los em equipamentos e terapêuticas já consolidados para o enfrentamento dessa grave doença.
Que fique claro, portanto, que este tipo de informação é altamente danoso à comunidade e produz um enorme desserviço aos esforços das instituições de saúde comprometidas com o bem-estar da comunidade e com o combate à grave pandemia pela qual passamos.
Prof. Dr. Rui Alberto Ferriani, diretor FMRP-USP e presidente do Conselho Deliberativo HCFMRP
Prof. Dr. Jorge Elias Júnior, vice-diretor FMRP-USP
Prof. Dr. Antônio Pazin Filho, diretor de Atenção à Saúde HCFMRP
Prof. Dr. Benedito Carlos Maciel, superintendente HCFMRP
Prof. Dr. Valdair Francisco Muglia, diretor científico Faepa
Prof. Dr. Ricardo de Carvalho Cavalli, diretor executivo Faepa
Profa. Dra. Elaine Christine Dantas Moisés, diretora geral CRSMRP-Mater
Prof. Dr. Wilson Salgado Júnior, diretor do HE Ribeirão
Dra. Maisa Cabete Pereira Salvetti, diretora geral HE Américo Brasiliense
Prof. Dr. Marcos de Carvalho Borges, diretor geral HE Serrana
Prof. Dr. Helton Luiz Ap. Defino, chefe departamento Ortopedia e Anestesiologia
Profa. Dra. Fabiana Cardoso Pereira Valera, chefe departamento Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Cirurgia Cabeça e Pescoço
Prof. Dr. Lourenço Sbragia Neto, chefe departamento Cirurgia e Anatomia
Prof. Dr. Francisco José Cândido dos Reis, chefe departamento Ginecologia e Obstetrícia
Prof. Dr. Sonir Roberto Rauber Antonini, chefe departamento Puericultura e Pediatria
Prof. Dr. Rodrigo Tocantins Calado, chefe departamento Imagens Médicas, Hematologia e Oncologia Clínica
Prof. Dr. Paulo Louzada Júnior, chefe departamento Clínica Médica
Prof. Dr. Wilson Marques Júnior, chefe departamento Neurociências e Ciências do Comportamento
Prof. Dr. João Paulo Dias de Souza, chefe departamento Medicina Social
Prof. Dr. Aguinaldo Luiz Simões, chefe departamento Genética
Prof. Dr. Benedito Antonio Lopes da Fonseca, Divisão de Moléstias Infecciosas
Prof. Dr. Valdes Roberto Bollela, Divisão de Moléstias Infecciosas
Prof. Dr. Rodrigo de Carvalho Santana, Divisão de Moléstias Infecciosas
Prof. Dr. Gilberto Gambero Gaspar, Divisão de Moléstias Infecciosa, presidente da CCIH HCFMRP
Prof. Dr. Afonso Dinis Costa Passos, coordenador do Núcleo de Epidemiologia