Réquiem para Elisabeth Tenreiro, professora assinada por um garoto de 13 anos, dentro da sala de aula.

Elisabeth, quantos meninos e meninas passaram pelas tuas mãos marcadas pelo pó de giz até que pudeste ver o fim? Lembra-te do primeiro dia de aula, quando teu coração ardeu no compasso da lousa da fria, e olhaste no fundo da sala, em busca da luz que te iluminaria pelo resto da vida? Quanto de ti ficou nas carteiras empoeiradas, nas paredes mofadas, nas arandelas amareladas pelo tempo, na mesa manca, no armário sem trancas, no filtro de barro e na caneca de café? Quantos diários escreveste debaixo da luz difusa, quando a noite penetrava na tua pele e não desistias de planejar o implanejável  destino de tuas tarefas? Quanto tuas vistas perderam de cintilância ao ler páginas e páginas dos livros da existência? Quanto teus sonhos te recompensaram em sorrisos, prantos e agradecimentos de caminho?

Elisabeth, hoje ganhas o prêmio da submissão dos que lutaram em vão. Tens uma faca atravessada no coração e uma lança de espinhos cravada na tua esperança. Dormes criança, enfeitiçada pela canção das bruxas e voas como pássaro de fogo no céu dos pélagos profundos. Não acordarás jamais no mundo que sonhaste. Verás outros, quem sabe?

Elisabeth, onde quer que estiveres, ao voltar do sono intenso, procurarás a mesma porta que te serviu de entrada, mas tu não quererás fugir, ao contrário, irás buscar o teu algoz, para quem sabe ensinar a ele, como sempre fizeste, a canção da paz, o solo da prosperidade, porque tu acreditas no inacreditável e recitas os versos da compaixão, com a mesma entonação e o mesmo ímpeto que te consagraram ser humano.

Elisabeth, compartilho contigo a dor dos que não sabem acolher as misérias humanas, com o mesmo carinho que acolhem os ganhos das pratas e dos ouros. Compartilho contigo o eterno desejo de ofertar o presente do sucesso interior, como paga incomensurável do sentido de estar presente na vida. Compartilho contigo o desprezo pela arrogância do poder como virtude e a escravização do homem como fruto dos interesses. Compartilho contigo o profundo sentimento de piedade que deve emanar frente às mazelas dos interesses individuais defronte das necessidades sociais.

Elisabeth, não chores pelos que ficam, nem te apiedes dos que sofrem por ti. Apenas brinques de emanar encantos e aconchego, porque tu és os próprios. Lembra-te que tinhas o tempo para dizer não às classes lotadas e parar para colecionar memórias, mas optaste por continuar a se multiplicar no ato de oferecer saídas e construir estradas do conhecimento.

Elisabeth, tu venceste a batalha dos ímpios e dos domínios da glória, mesmo que por aqui restem apenas flores em tua memória e velas que vão se desgastar com o passar dos dias. No céu de diamantes, tu seguirás a missão de ser um anjo, daqueles que sobem nos muros e nas árvores e conversam com as estrelas.

Elisabeth, tenho orgulho de ter ouvido falar de ti. De ter entendido a tua métrica poética e teus desígnios de vida. Ter aprendido contigo que os professores são eternos enquanto difusos e presentes enquanto múltiplos. Fique em paz e perdoa quem te quer te convencer a estancar tua mensagem de otimismo e arrojo. Elisabeth, és agora o sempre e jamais o nunca ou o talvez.

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