Nesta segunda-feira (18) o Botafogo terá um dos momentos mais importantes de sua grandiosa história. Mas não quero falar do futuro, que me parece tenebroso, e sim do passado, época que todos nós, imagino, lembramos com mais afeto.
Fiz meu primeiro vestibular em 1998 e, admito, devo ter contato com a colaboração dos deuses para ingressar no curso de Jornalismo na Unesp, em Bauru. Mas deixem que eu conte essa saga.
Fui um aluno mediano durante todo o Ensino Médio. No terceiro colegial – sim, sou velho e fiz colegial – nunca gostei muito de meter a cara nos livros, mas, ainda assim, conseguia conciliar a falta de vontade de estudar com o desempenho necessário para não ser um completo fracasso. E assim fui levando o ano inteiro.
Minha primeira e única opção era cursar Jornalismo em Bauru. Não queria mudar para São Paulo, o que tirou a USP do meu radar. E queria ser o primeiro da família a entrar em uma faculdade pública. Bauru foi a escolha natural. Só prestei o vestibular para lá e, confesso, não tinha uma segunda opção.
Depois de um ano particularmente difícil – estudava à noite e trabalhava de dia – chega o grande dia.
A prova da Unesp era feita em três dias, sendo o primeiro de conhecimentos gerais, em teste, feita no domingo; depois, havia as questões específicas, dissertativas, na segunda e, por último, a de português e redação, na terça-feira.
Justo no primeiro dia, eu com 17 anos, resolvo relaxar. Havia um churrasco na quadra de futebol onde meu pai e eu jogávamos. Começava às 09h, e a prova era às 13h. Claro que eu fui. Quatro horas depois, e várias cervejas bebidas, me julgava completamente preparado para mandar super bem nos testes.
Mas a saga do dia mal havia começado.
Depois de chegar à escola onde faria a prova, comecei, atordoado, a olhar o relógio. Era 20 de dezembro de 1998 e eu guardo a data pra sempre na memória. Não por ter sido o primeiro dia do vestibular que me levou à Unesp, mas sim por ser o dia do jogo que fez meu time, o Botafogo, subir para a Série A do Campeonato Brasileiro. E, puta azar da vida, justo no único domingo do ano que eu tinha um compromisso inadiável.
Senti que o mundo era injusto comigo.
A verdade é que eu não queria ir fazer a prova. Estava disposto a mandar a Unesp, o vestibular e qualquer outra coisa para o espaço, ir para o campo e ver meu time fazer história. Evidente que meus pais não corroboraram minha ousada decisão e, na base do “ou vai ou apanha que nem boi no pasto”, como só os bons pais italianos fazem, me obrigaram, sem choro nem vela, a ir fazer o teste que definiria minha vida profissional.
Contrariado e meio bêbado, cheguei ao local e, por sorte suprema, conhecia o fiscal. O cara era botafoguense, como eu, e estava tão ou mais angustiado de estar dentro da sala de aula enquanto o Botafogo se preparava para fazer a festa. Foi ai que veio a salvação.
Fanático que era, o fiscal arrumou um esquema para ouvir o jogo pelo rádio enquanto a prova rolasse. Era totalmente irregular, mas não era eu quem ia denunciar o parceiro, né?
Gente boa no último, ele combinou um sinal comigo: se o Botafogo fizesse um gol, levantaria e diria a frase: ‘atenção, senhores, faltam X horas para o fim da prova’. Se o Botafogo tivesse levado um gol, deus nos livre, ele diria ‘atenção, senhores, faltam X minutos para o fim da prova’.”
O jogo começaria às 16h. E a permanência mínima na sala de aula seria até às 17h.
O jogo começou e eu já tinha terminado os testes. Com menos de 5 minutos de partida, uma explosão de foguetes anunciava o primeiro gol do Botafogo, e o fiscal, honrando o acordo, levantou-se e deu o recado. A mesma cena ocorreu outras três vezes até o apito final do primeiro tempo. Meu coração latejava no peito e eu só queria saber de sair dali e ir para a festa.
Pedi para ir ao banheiro e não resisti: dei um berro monstro gritando VAI, FOGO!
Assim que peguei o caderno de provas, comecei uma luta insana para responder tudo o mais rápido possível. Não me pergunte como, mas, às 16h, estava com a prova resolvida e o gabarito, passado no papel oficial.
Às 17h, pontualmente, entreguei minha prova e sai correndo – literalmente – pelas portas da escola. Não levei caneta, nem lápis, nem borracha, nem a prova. Deixei tudo lá e peguei o primeiro ônibus para o estádio Santa Cruz, onde cheguei a tempo de ver o apito final do juiz.
Resultado final: 5 a 1, Botafogo vice-campeão brasileiro da Série B e com o passaporte carimbado para a elite do futebol brasileiro em 1999.
Saí do estádio já na companhia de amigos e fui em direção à Vila Tibério, berço do Botafogo e o bairro no qual morava e continuo morando. Nessa noite, subi no caminhão de bombeiros, puxei o hino do clube, bebi até cair e só cheguei em casa no meio da manhã do
dia seguinte. Deixado por alguma alma caridosa.
Evidentemente, fui fazer a prova do segundo dia de ressaca. Mas muito feliz. O fiscal, em estado parecido, não pôde deixar de sorrir.
Não me perguntem como, mas minha nota no primeiro dia de provas foi excelente. E, no segundo, foram boas o suficiente para garantirem um lugar na Unesp. Curiosamente, a do terceiro dia, que fiz em condições normais, não foram tão boas quanto as duas primeiras.
Passadas quase duas décadas desse dia tão especial, posso dizer que o ingresso em uma universidade pública como a Unesp foi essencial para minha formação profissional e que fui um tanto quanto negligente em minha preparação.
Mas ainda lamento por não ter podido acompanhar o talvez mais incrível jogo da história do meu time.
Desde então, continuo presente no Estádio Santa Cruz. O Botafogo é talvez a parte mais importante da minha vida. Fui ao Santa Cruz com meu falecido avô, vou ao estádio com meu pai e faço questão de levar ao estádio meus dois filhos.
O Botatogo é da família Schiavoni. Da família Vitori, Da família Mauad. Da família Abreu. Da família Trindade. Da família Esteves. Da família Furlanetto. É da Vila Tibério. De Ribeirão. Da nossa gente e do mundo inteiro. Mas não é só da família Batista. E nunca será, acrescento.