“PENSEM NAS CRIANÇAS/ MUDAS TELEPÁTICAS… ” Estes são os versos inciais de A Rosa de Hiroshima, poema de Vinícius de Moraes que fez sucesso na voz de Ney Matogrosso com os Secos e Molhados no início dos anos 1970. A banda de rosto pintado botou o Brasil pra rebolar ao som do “Vira”, mas também fazia pensar com uma reflexão dolente sobre um dos maiores crimes que a humanidade já cometeu. A destruição das cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki com a bomba atômica jogada pelos norte-americanos na Segunda Guerra Mundial. Sim, os norte-americanos fizeram isto.
PROCURANDO A MÃE – Perguntei ao senhor de 79 anos que me sorria o tempo todo se ele ainda sonhava com a bomba. Apesar dos mais de 50 anos de Brasil, Kunihiko Bonkohara, respondeu num português entrecortado, sem concordância, mas muito firme: “Sim. Todo dia sonha que procura a mãe, né. No meio da fumaça sai procurando a mãe e não acha”. Ele tinha 5 anos quando a cidade onde nasceu, Hiroshima, sumiu do mapa. E ele sobreviveu. Entrevistei aqui na Thathi FM – no nosso “Embalos de Sábado”- o sobrevivente que até hoje sonha com a bomba atômica. E com a mãe que nunca mais encontrou.
HIROSHIMA NO TEATRO – Kunihiko roda o país com mais dois sobreviventes da bomba. Eles sobem aos palcos de teatros para contar o que viram e como conseguiram escapar com vida. É o chamado teatro documental. O projeto do diretor Rogério Nagai passou por Ribeirão Preto com uma única apresentação no teatro da Cia Minaz. No palco, Kunihiko narra para uma plateia que parece estar vendo fantasma. Puxa vida! Como assim? Escapou da bomba… Para espanto de quem assiste, ele recorda que estava no escritório de madeira onde o pai trabalhava, no centro da cidade, quando ouviu o estrondo do fim do mundo. Abre os braços para mostrar como pai pulou em cima dele no instinto de proteger a cria com o próprio corpo da fúria de um inimigo monstruoso.
A FÚRIA QUE VEM DO CÉU – A bomba explodiu 400 metros antes de tocar o solo. Um clarão seguido de uma ventania de 200km/h e uma elevação da temperatura que fez evaporar corpos humanos. O pai de Kunihiko levantou-se com as costas em carne viva e foi lavar-se nas águas do rio Ota, a poucos metros da casinha de madeira que inexplicavelmente protegeu os dois. Em meio à chuva negra, ácida e cancerígena, a criança muda e telepática tentou em vão encontrar a mãe que estava na rua. Kunihiko é um dos 84 sobreviventes da bomba que hoje vivem no Brasil, quinto país com maior número de Hibakushas, como são chamados na língua natal.
CORAÇÃO ABERTO – O pai de Kunihiko tinha por volta de 40 anos e viveria mais 21 após a explosão. Aos 18 anos, Kunihiko foi diagnosticado com tuberculose e insuficiência cardíaca. Ouviu do médico que teria pouco tempo de vida. Resolveu aproveitar o que sobrava para conhecer o mundo e veio parar na costa brasileira, no Porto de Santos. Os problemas de saúde sumiram e a mágoa também. Diz não ter raiva dos norte-americanos porque tem o “coração aberto”. Aos 40 anos, conheceu uma brasileira descendente de japoneses. Sentiu receio de que seu passado pudesse atrapalhar o amor que acabava de descobrir. Mas não foi isso que aconteceu. Conquistou a companheira com quem vive até hoje no momento em que disse: “Sobrevivi! Casa comigo?”