Solidariedade: que sentimento é esse que move multidões?

Ana Lúcia Pastore Schritzmeyer fala sobre o tema a partir da mobilização de pessoas em torno da ajuda às vítimas da tragédia ambiental no RS

Bandeira do Rio Grande do Sul esticada em apartamento de Ribeirão Preto | Foto: Chico Ferreira (Grupo Thathi)

A tragédia ambiental registrada no Rio Grande do Sul nos faz pensar: o que leva as pessoas a terem atitudes solidárias? A resposta não é simples, nem fácil. As histórias de solidariedade surgem em momentos difíceis como o atual. O que é a solidariedade? Que sentimento é esse que move pessoas, grupos, multidões por todo o País com um único objetivo: ajudar quem precisa.

Nessas últimas semanas, o foco são os desabrigados do Rio Grande do Sul, pois o Estado inteiro precisa de todo o tipo de ajuda, desde água até uma simples escova de dentes. Em muitos casos, a solidariedade não significa apenas reconhecer a situação delicada de uma pessoa ou grupo social, mas também consiste no ato de ajudar essas pessoas desamparadas.

A antropóloga Ana Lúcia Pastore Schritzmeyer, professora do Departamento de Antropologia da Faculdade de Filosofia Letras e Ciências Humanas da USP e coordenadora do Núcleo de Antropologia do Direito (Nadir) da USP, nos ajuda a entender que a “solidariedade é um sentimento de pertencimento a um grupo a que você adere e se sente acolhido”.

A pesquisadora enfatiza que seria impossível estar o tempo todo solidário a tragédias, muitas vezes distantes de nós. “Tragédias ocorrem todos os dias no mundo e não se pode estar solidário a todas o tempo todo”, analisa.

A solidariedade e a empatia caminham juntas, mas em paralelo. A empatia é um sentimento de compreensão da dor do próximo, de cumplicidade e socialização, que também envolve moral. “Você pode sentir empatia por uma causa e nem por isso amar aquilo que está envolvido ali, mas você consegue compreender. São pessoas que deixam o conforto de suas casas para estar no meio de uma enchente ajudando outras, elas não estão fazendo algo que lhes é confortável, elas estão fazendo algo que elas sentem que moralmente lhes compete”, avalia.

Bem à alma

A empatia é um processo aberto à diversidade humana independentemente de causas. A prática da solidariedade traz um bem-estar psicossocial que faz bem à alma de quem a pratica, entrando em um “circuito de dádivas”, como cita o antropólogo francês Marcel Mauss. “Ações solidárias fazem com que uma pessoa se coloque em um circuito maior de dádivas que ela recebe e retribui”, explica a antropóloga da USP.

A solidariedade deveria ser também uma responsabilidade dos governos e não apenas das pessoas. O Brasil é uma nação que desempenha a solidariedade no panorama global, mas religiões e sistemas socioeconômicos podem explicar por que alguns países são mais ou menos solidários. Diz a antropóloga Ana Lúcia: “Predominância de determinado tipo de religião ou de sistema socioeconômico, embora o capitalismo hoje tome conta, praticamente, do planeta, e se há uma forma de produção que não é favorável à solidariedade é o capitalismo, o capitalismo cultiva valores que não são solidários e que concentram a renda. A solidariedade é um tipo de prática de ação distributiva”.

A solidariedade é cultivada socialmente e a pandemia de covid nos mostrou esse quadro, que se repete nessa tragédia do Rio Grande do Sul. Muitas vezes, o ato solidário pode ser confundido com um egocentrismo ou até egoísmo. “É preciso tomar cuidado, porque certas ações que parecem solidárias na verdade são ações muito egoístas também. Ele não faz pelo outro, faz por si. É a teoria da esmola.” Há uma tendência de que as pessoas façam doações para obter benefícios no imposto de renda, por exemplo, e não pela solidariedade em si. Há doações de todos os tipos, não só solidárias.

**Texto de Jornal da USP