Em um dos artigos que escrevi para esse portal, antes da liberação de Lula, anotei que a polarização política de extremas que se instalou no País não interessa ao meio social, cuja maior preocupação é a estabilidade, para que se possa viver num ambiente minimamente saudável, sem que a esperança se esvaia. Na ocasião, enfatizei que nesse cenário de acirramento de ânimos o papel do governante deve ser de empenho para que se obtenha a pacificação social.
Infelizmente, o que acontece no Brasil é o oposto da pacificação. Do lado do clã Bolsonaro o tiroteio é praticamente diário. O ex-presidente Lula, que deixou a cadeia por conta de uma decisão casuística do STF (é minha opinião), já saiu falando pelos cotovelos. O homem mais honesto do Brasil, sua santidade, como se auto intitula, não poupou seu refinado palavreado ao se referir a Bolsonaro, Moro e Procuradores da “Lava Jato”, e ao que tudo indica, mantidas as condições de temperatura e pressão, estamos muito distantes da chamada pacificação.
Bem, mas um dos poderes da República – o Judiciário – estará pronto para oferecer o equilíbrio, a ordem e a segurança jurídica que devem permear o Estado de Direito. Pelo menos essa parecia a intenção de Montesquieu, quando em meados do século XVIII criou a teoria da “Tripartidação dos Poderes”. Pena, mas no Brasil de hoje não dá para contar com a mais alta corte de justiça do País – o Supremo Tribunal Federal, e isso acaba comprometendo a imagem e a eficácia do Judiciário, que deveria ser o grande árbitro dos conflitos que se instalaram em nossa terra.
Não me recordo na história da Suprema Corte, dentro do período que compreende minha carreira jurídica, de tão desastrosa composição. Que saudade de Ministros como Carlos Veloso, Sidnei Sanches, Francisco Rezec, Sepúlveda Pertence, Ellen Grace e Ayres Britto, dentre outros. Além de grandes juristas eram pessoas de exemplar postura e educação.
Seria injusto criticar todos os integrantes do Supremo, porque lá ainda militam bons juristas e bons seres humanos, mas, infelizmente, alguns Ministros contaminaram o vigor da Corte no desempenho do importante papel de pacificação social. Antes de pacificar, alguns Ministros adotaram o mesmo tom beligerante da polarização política. Lamentável.
Em pouco mais de uma semana a sociedade assistiu a episódios que poderiam render uma série: “Como não deve proceder um membro da Suprema Corte”. No primeiro capítulo assistimos o Ministro Marco Aurélio dar um show de grosseria ao constranger publicamente uma advogada que fazia uma sustentação oral no plenário. O litúrgico Ministro advertiu a causídica de que não deveria utilizar o pronome “vocês” para se dirigir aos membros da Corte, mas sim Vossas Excelências. Assisti ao episódio e confesso que não vi na conduta da advogada nenhuma intenção de menoscabo para com os Ministros. Não discordo de Marco Aurélio quanto ao adequado tratamento, mas, não vejo isso como justificativa para se criar uma situação de constrangimento para a profissional, talvez porque em minha formação humana aprendi que não devemos repreender os semelhantes em público.
No segundo capítulo, durante a sessão que resultou no afrouxamento do combate ao crime no País, com a decisão de que há necessidade do esgotamento de todos os recursos para que o condenado talvez (porque a prescrição milita a favor deles) possa experimentar a prisão, o Ministro Gilmar Mendes mais uma vez fez escorrer seu líquido biliar boca a fora. Como de costume, o detentor do monopólio da sabedoria e da verdade partiu para o ataque contra uma das instituições que mais credibilidade detém no País – o Ministério Público, ao dizer que “parece que o alcoolismo é um problema do Ministério Público”. Conseguiu, com essa frase infeliz, aumentar a desafeição que Promotores e Procuradores nutrem por ele.
Como membro do Ministério Público do Estado de São Paulo há quase 33 anos tenho o maior orgulho da instituição e de seus membros. Não me recordo, nessas três décadas, de ter assistido qualquer ato de agressão verbal a um Procurador Geral ou a qualquer colega em via pública do Brasil ou de outro País, assim como em outros espaços coletivos como restaurantes e aeronaves comerciais. De outra parte, há Ministros do Supremo que colecionam atos de hostilidade contra si. Porque será? Em retorsão à fala de Gilmar, eu diria que parece que a soberba e a exacerbada vaidade são problemas do STF.
Para fechar as demonstrações de anti pacificação, Dias Tófoli, magistrado supremo que não resistiu a uma prova para a magistratura do Estado de São Paulo, buscou confusão com a classe política, com o Ministério Público e com aqueles que ainda possuem alguma dose de bom senso, ao requisitar do Banco Central os relatórios financeiros do antigo COAF, dos últimos três anos. A decisão foi tomada no processo que recebeu sua liminar em favor de Flávio Bolsonaro, para que dados do COAF não pudessem ser utilizados nos processos sem autorização judicial. A requisição é desproporcional e revela abuso do Presidente da Corte, porque nenhuma relação existe entre relatórios pretéritos e genéricos do COAF e o tal processo do senador. Não é desarrazoado acreditar que se trata mesmo do indevido uso do poder para bisbilhotagem.
Não sou dado ao pessimismo, mas quando Ministros da Suprema Corte colocam lenha na fogueira, ao invés de se apresentarem como bombeiros, a preocupação com o que vem por ai é inevitável.