O mundo da informação e da desinformação é uma realidade inevitável, e com ele temos que conviver com o cuidado de separar o joio do trigo. Dentro desse contexto, buscando a formação de um senso crítico, me encontrei traçando um paralelo entre a publicidade de uma grande rede de supermercados, que na peça publicitária se intitula “lugar de gente feliz”, e propagandas oficiais de governos, em diversos níveis.
O ponto alto de ambos os trabalhos de marketing (o do supermercado e os de governo) é a competência do marqueteiro. A publicidade do supermercado faz com que o telespectador tenha uma vontade imensa de entrar nas lojas da rede, ainda que apenas para observar aquelas pessoas bonitas, sorridentes, interativas e com seus carrinhos cheios de coisas boas, nos caixas exclusivos. Que felicidade!
As propagandas oficiais de governos, com a mesma competência, levam o telespectador a pensar que, de repente, passou a viver numa bela e pujante cidade da Europa, ou dos Estados Unidos da América, ou, ainda, quem sabe, da Nova Zelândia. Ruas limpas, bem cuidadas, iluminadas e seguras. Serviço de saúde impecável, com unidades avançadas e profissionais de sobra. Escolas de primeiro mundo, com educação para todos, em tempo integral, e da melhor qualidade. Praças dignas de um quadro de Van Gogh. Já se falou no passado “o marketing é tudo”.
O outro lado da coincidência entre o trabalho publicitário do supermercado e a chamada “propaganda oficial” é que as coisas não são bem assim, como propagadas. No supermercado não se vê as pessoas felizes, mas estressadas e parecendo disputar uma maratona. Não há sorrisos e nem interação. Tirar um “bom dia” de alguém é tarefa árdua. Muitos se acotovelam em busca das ofertas do dia. Outros estão com calculadora em punho, para fazer com que a compra caiba no orçamento. A fila do caixa, apesar da simpatia dos operadores, não é tão exclusiva assim.
Quanto às cidades, a discrepância é bem maior. Aquela sintonia entre ruas limpas, iluminadas e seguras é coisa de ficção. Na saúde pública as filas são intermináveis, com gente gemendo, chorando e reclamando a ausência de profissionais. Os funcionários dos postos de atendimento trabalham sob tensão, porque uma pancadaria pode rolar a qualquer momento. Na educação, a precariedade não é diferente. Escolas sem a manutenção necessária; alunos sem aula e professores sem estímulo. Nem pensar em qualidade com esse cenário. Parques e praças, com honrosas exceções, sujos, abandonados, mal iluminados e cheios de mato.
Muito bem, a publicidade do supermercado é absolutamente legítima. É produzida e veiculada as expensas da empresa e traduz uma ferramenta eficaz para a divulgação de uma marca.
Da propaganda oficial não se pode dizer o mesmo. Ela é paga e produzida com dinheiro público. Não acrescenta absolutamente nada para o contribuinte. Não é de utilidade pública e não consegue vender a marca da cidade, do estado ou do país, porque a discrepância entre o propagado e a realidade é imensa.
Estou convencido de que propagandas oficiais somente deveriam ser admitidas, estritamente, para prestar informações úteis ao cidadão. Do tipo: “na próxima semana a avenida X estará interditada para reforma”, “alterações no trânsito do bairro Y”, “novos itinerários dos ônibus urbanos”, “campanha para parcelamento de tributos” e notícias similares.
Despesas com publicidade costumam ultrapassar quinhões orçamentários de pastas importantes como assistência social, esporte e cultura. Não acho correto, e acredito que a prática é questionável juridicamente, ante os princípios da legalidade, moralidade, transparência e eficiência do serviço público.
Admitindo que o governante acredite que a tal “propaganda oficial”, paga com o dinheiro do povo, possa favorecê-lo, pessoalmente, vem a calhar a frase do bilionário executivo norte-americano Jeff Bezos: “sua marca é o que as pessoas dizem sobre você quando você não está na sala”.
E quanto a você leitor, sua cidade é lugar de gente feliz?