Os pacientes com Acidente Vascular Cerebral (AVC) isquêmico agudo, ou seja, aqueles pacientes com quadro mais grave, poderão finalmente receber atendimento específico – a trombectomia mecânica – na rede pública, através do Sistema Único de Saúde (SUS), em hospitais que sejam credenciados para oferecer o serviço junto ao Ministério da Saúde. O tratamento foi incorporado ao SUS em 2021 (Portarias n°s 5 e 79), mas faltava ao Ministério definir o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas (PCDT), que determina a rotina do tratamento a ser adotada pelos hospitais, estabelece os valores que os hospitais vão receber e quais são credenciados. Tudo isso foi publicado na Portaria 1.996, de 24 de novembro, do Ministério da Saúde.
O tratamento é considerado de alta complexidade e exige internação hospitalar do paciente que tenha tido sintomas de AVC (com janela maior de 8h e menor de 24h) por um prazo médio de oito dias. Esse cenário serviu de base para que o SUS calculasse o custeio, que ficou estabelecido em R$ 17.807,97 por tratamento. A Portaria determinou recursos anuais da ordem de R$ 73.956.757,00 para cobrir o atendimento à população.
Hospital das Clínicas
Na primeira relação de hospitais credenciados divulgada na Portaria, são 12 hospitais já credenciados, entre eles os dois hospitais vinculados à USP: Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (HC-FMUSP) e o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HC-FMRP). Novos credenciamentos devem ser feitos a partir do momento em que os pedidos atendam aos requisitos estabelecidos pelo MS.
O neurologista Octávio Pontes Neto, professor da FMRP e chefe do Serviço de Neurologia Vascular e Emergências Neurológicas do HC-FMRP, comemora a publicação da Portaria. “É um momento histórico para a neurologia vascular no País, porque foi publicado o protocolo de incorporação da trombectomia mecânica no SUS. É o desfecho de uma luta de nove anos de pesquisadores da Rede Nacional de Pesquisa em AVC, que conseguiram demonstrar a eficácia da trombectomia mecânica no SUS, mostrando que os pacientes que recebem esse tratamento evoluem melhor, com menos sequelas do AVC. Esses resultados foram apresentados para a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec) e publicada uma Portaria do Ministério da Saúde em 2021.”
Segundo o especialista, o HC-FMRP foi credenciado em parte porque participou de todo o processo que envolveu os estudos que comprovaram a eficácia do tratamento desde o início, o que fez do HC um dos únicos hospitais públicos do País que proporcionaram o tratamento com trombectomia mecânica com custeio próprio desde 2015. O Serviço de Neurologia Vascular e Emergências Neurológicas do HC-FMRP é referência no Brasil e disponibiliza, na Unidade de Emergência do HC, dez leitos para pacientes com isquemia aguda decorrente do AVC, mas, a partir do próximo ano, o número de leitos será ampliado para 20. “A Superintendência do HC e a Secretaria Estadual da Saúde autorizaram a ampliação, que vai permitir atender à demanda de Ribeirão Preto e da região.”
Segundo o professor, o HC de Ribeirão Preto interna, a cada ano, pelo menos 800 pacientes com AVC. Na região, são cerca de 2.200 casos por ano e, no Brasil, são mais de 400 mil casos por ano. No primeiro semestre de 2022, foram 56.320 vítimas fatais por AVC, número maior que o de mortes por infarto (52.665) e por covid-19 (48.865), segundo dados da Sociedade Brasileira de AVC (SBAVC).
Tratamento
A trombectomia mecânica é um procedimento endovascular feito através de cateterismo, indicado para o tratamento dos pacientes com AVC isquêmico, que apresentam oclusão de grandes artérias do cérebro, interrupção súbita do fluxo sanguíneo nas artérias importantes, como a artéria cerebral média, a carótida interna ou a basilar nas primeiras 24 horas do início dos sintomas.
O neurologista explica que, em cerca de um terço dos casos, a oclusão é de uma grande artéria e para esses casos a trombólise endovenosa, tratamento que já existia no SUS e que consiste na administração de medicamentos trombolíticos na veia, não é tão eficaz quando a artéria que está ocluída é uma grande artéria do cérebro. “Então, a incorporação da trombectomia mecânica no SUS vai ajudar o tratamento dos casos mais graves de oclusão de grandes artérias do cérebro nas primeiras 24 horas e permitir deixar o paciente com menos sequelas na fase aguda da doença.”
**Texto de Jornal da USP