Como alunos com deficiências visuais podem assimilar conceitos científicos que a princípio só poderiam ser ensinados a partir da percepção visual? Motivados por essa questão, estudantes do primeiro semestre de diferentes cursos de Licenciatura das áreas de Exatas e Biológicas do Campus Sorocaba da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) desenvolveram materiais alternativos simples e de baixo custo e uma sequência didática para compartilhar conteúdos da Química de uma forma mais envolvente junto a esse público.
A iniciativa foi coordenada por James Alves de Souza, professor do Departamento de Física, Química e Matemática do Campus Sorocaba, e os resultados foram encaminhados como proposta de ensino-aprendizagem para a Associação Sorocabana de Atividades para Deficientes Visuais (Asac).
“O principal objetivo foi mostrar que é possível ensinar Ciência a qualquer pessoa, mesmo para indivíduos com deficiências visuais, bastando adaptar o material didático de acordo com a necessidade do público-alvo. Nossa proposta é de fácil reprodução e de baixo custo, podendo ser estendida para qualquer tema da Ciência, não só da Química, mas também da Física, da Matemática e da Biologia. Tendo como ponto de partida a nossa proposta, o professor responsável por cada disciplina poderá adequar o material didático adotado pela instituição de ensino de acordo com as necessidades de seus alunos”, conta Souza.
O material didático desenvolvido pelos estudantes da UFSCar consiste em adaptações de imagens e figuras sobre os conceitos contidos no livro “Química”, de João Usberco e Edgard Salvador, amplamente utilizado no Ensino Médio. As adaptações gráficas foram realizadas com o emprego de materiais de baixo custo e facilmente encontrados no comércio, como folhas de papel cartão A4 e em alto relevo, tinta relevo, papel camurça, papel micro-ondulado, placa de EVA atoalhada, cubo de isopor, bolas de gude e de isopor, purpurina, flocos de isopor e lixa d’água.
“Todos os materiais utilizados na transposição das imagens podem ser diferenciados por meio da textura, da geometria e de seu tamanho espacial. Para o indivíduo com deficiência visual esse tipo de diferenciação é essencial, uma vez que o contato com os materiais é a única forma de poder construir mentalmente as imagens. Este é um fator determinante na elaboração das atividades para que a definição dos conceitos químicos abordados, ou qualquer outro conceito científico, seja realizada com maior clareza”, explica o professor da UFSCar.
Proposta
Após a elaboração dos materiais, com base no conhecimento teórico adquirido na disciplina de Introdução à Física, foi feita a aplicação da proposta por um grupo de cinco alunos. O docente relata que o envolvimento dos estudantes da UFSCar foi de alto nível. “Eu me lembro muito bem da satisfação de todos durante as atividades. Segundo eles, foi uma experiência única e enriquecedora para a carreira. Confesso que fiquei muito orgulhoso ao ver a atuação dos licenciandos na Asac diante do desafio de ensinar Química para indivíduos com deficiências visuais. E com isso pude comprovar minha hipótese de que se o estudante, mesmo recém-chegado à universidade, tiver motivação e incentivo, ele pode desenvolver qualquer tema de ensino para qualquer público com excelente qualidade, além de tecnologias e projetos científicos que envolvam problemas atuais”, comemora Souza.
O professor afirma que é necessário muito esforço para que tanto escolas quanto universidades avancem, no sentido de aceitarem e se adaptarem para ensinar não só Química, mas Ciência de forma geral, a alunos com deficiência visual. “Há falta de recursos humanos especializados e capacitados; indisponibilidade da instituição educacional para desenvolver um trabalho pedagógico que atenda às necessidades específicas desses alunos; ausência de materiais adequados; presença de barreiras arquitetônicas; existência de preconceito e indiferença por parte da comunidade escolar, entre outros aspectos”, diz ele.
O trabalho foi desenvolvido com estudantes do primeiro semestre dos cursos de Licenciatura em Química, Física, Matemática e Biologia na disciplina de Introdução à Física, ministrada por Souza, em 2016, e mostra como o ensino da graduação pode ser levado à comunidade, preparando também os graduandos para a pesquisa científica. Os resultados desse esforço foram publicados em dezembro do ano passado na revista científica ELO – Diálogos em Extensão, que busca divulgar atividades de extensão realizadas por universidades brasileiras e estrangeiras. A escrita do artigo contou com a parceria do professor Edemar Benedetti Filho, também do DFQM-So.
Pesquisa e artigo
Em suas disciplinas, o professor James de Souza busca coordenar projetos com os alunos considerando-os como pesquisadores e ensinando Física por meio da pesquisa. Durante a atividade letiva, ele valoriza, também, o ensino das técnicas de escrita científica utilizadas na literatura internacional e utiliza, por exemplo, templates explicativas para a redação de projetos destinados à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), escrita e submissão de artigos científicos seguindo normas da American Physical Society (APS) e simulação de workshops ao final das disciplinas para apresentação dos trabalhos que seguem modelos internacionais. “Mesmo cursando o primeiro semestre da graduação, é possível fazer pesquisa de qualidade”, defende o docente.
A metodologia de ensino desenvolvida por Souza já foi aplicada para mais de 400 alunos em disciplinas básicas dos cursos de Física, Química, Matemática e Biologia do Campus Sorocaba da UFSCar e resultou na elaboração de mais de 100 projetos científicos. Além de motivar os graduandos, o docente conta que conseguiu, por meio de seu método de ensino, aumentar o índice de aprovação nas disciplinas de 46% para 85%.
O artigo “Química além da visão: uma proposta de material didático para ensinar química para deficientes visuais”, que também relata a metodologia para adaptar os conteúdos do livro didático em materiais de fácil acesso, está disponível em https://periodicos.ufv.br/elo/article/view/8216/3785.