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Vícios capitais e a moral dos novos beatos

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Vícios capitais e a moral dos novos beatos
Sérgio Kodato (à esq) e Luiz Eblak

Em plena 4ª Revolução Industrial, com robôs substituindo seres humanos no processo produtivo, cabe perguntar sobre nossas habilidades… O que essas máquinas têm que nós não temos? Inteligência artificial? As máquinas não erram, já que errar é humano… Por que nossa energia e foco é desviado do trabalho coletivo para questões de menor importância?

O editor Eduardo Schiavoni nos convidou para escrever no Portal da Thathi. Pensamos: textos em sites de notícias precisam ser atraentes para render clicks… Ao mesmo tempo, não podem ser apelativos, já que se trata de uma instituição de respeito, como o Grupo Thathi. A velha disputa entre o interesse público e o interesse do público…

E entre o Admirável Mundo Novo que já chegou e o miserável mundo velho, que insiste em ficar e ocupar muito espaço em nossa estressante existência contemporânea, o que atrapalha são intrigas, brigas, jogos amorosos e de vaidades, tretas, diz que diz, inveja, ganância, cobiça, doenças crônicas, alcoolismo, tudo concorrendo para baixar a produção, e a racionalidade na vida.

Eis que surgiu o tema pecados capitais… Sem dúvida alguma atraente porque mexe não só com aquilo que não pode — proibições, tabus, repressões, recalques –, mas também com o desejo humano — muito forte e que sempre precisou de freios e contrapesos, ao longo da história da humanidade. Na busca incessante pelo prazer, o princípio da realidade, a repressão e o recalque dos instintos básicos de sobrevivência, ligados à sexualidade e à agressividade, que, sublimados, nos levaram à civilização e ao conhecimento.

Em tempos de indústria da bebida e da comida, da gourmetização dos restaurantes/bares e da era dos gordinhos, a gula parece ganhar grande destaque. Basta lembrar dos primórdios, do momento em que o bebezinho começa a sugar o seio materno e descobrir o gosto do mundo, algo fantástico!, a voracidade com que suga o leite. Você tem que comer para ficar forte!, diziam nossas mães. Começamos a vida na fase oral, a boca é uma zona erógena e de prazer, beber, comer, falar…

Na infância, comida, doces, bebidas e festas eram fontes garantidas de prazer… Na adolescência era estar na onda, beber até cair – coisa de macho, porra! –, comer muita carne como o Obelix, fumar, cheirar, vomitar… É a fase da crise, da explosão de hormônios e do desejo: “O que será que será? Que dá dentro da gente e não devia. Que desacata a gente, à revelia… O que não tem governo nem nunca terá… O que não tem vergonha nem nunca terá… O que não tem juízo”…

Criadores desse papo de 7 Pecados Capitais, os padres do deserto acertaram em cheio ao incluir a gula como um deles! Mais de 1.300 anos depois de sua invenção, os pecados continuam atuais, os padres continuam pecando e a denominação daquilo que é Pecado foi ganhando novas significações. Comer e beber muito já não é prova de masculinidade, mas talvez de escassez de cérebro. Conquistar muitas mulheres já não é glamoroso, mas galinhagem e malandragem.

Será que o mundo melhorou?

Nada! O mundo até anda chato, e muitos jovens hoje sequer bebem – o álcool é pecado para uns, “faz mal pra saúde” de outros. Uns são abstêmios ou caretas mesmo, agora, outros depois de muita bebedeira, sentem azia, gastrite, queimação, náusea regurgitativa. Outros, ouvem seus médicos e, por causa das altas taxas de glicemia, do ácido úrico, do colesterol, cortam não só o churrasco, mas todas as carnes, massas, bolos, doces e os prazeres da boa e doce mesa. O doutor recomenda evitar carboidratos, lipídeos, proteínas, cigarros e praticar muito exercício.

Agora o exame de sangue semestral virou uma espécie de confessionário pós-moderno, em que ele denuncia nossos maus hábitos, vícios, neuras, excessos, condutas pecaminosas, de sorte que o consumo de um simples pão francês com manteiga, ou um sorvete italiano de nozes, podem ocasionar intensos acessos de culpa bulímica.

Mas o que é a vida, senão o doce e gostoso prazer de pecar um pouco? Romper com algumas regras para um pouco de festa e prazer. “Sexo, drogas e rock-in-roll”, esse era o mantra da geração hippie, mais preocupada em protestar contra a guerra e promover a paz e o amor. Mas os donos do capital e do poder preferem a bolsa de ações e investimentos ao florescimento das artes e do sublime… e o cenário social dá lugar à encenação dos gananciosos yuppies e suas máquinas voadoras.

Da Idade Média ao período pós-moderno, a ciência e suas pesquisas interferiram na noção de pecado. Parece que as proibições e os desejos passaram do campo moral para o campo da saúde, e cá estamos nós falando de moral, psicologia, história, desejo e jornalismo…

As pessoas estão pecando muito ou pouco hoje em dia? Em quais áreas? Esses pecados estão sendo punidos ou estimulados? No caso da Gula, parece que a questão moral não perdeu espaço, não. A ciência e a saúde falam mais alto, sim, mas comer picanha com gordura e costela no bafo não é só proibido pelos médicos, mas sim porque há um dogma contemporâneo mais doutrinário do que a Igreja Católica: não cometerás gulodices! Afinal, pecador, todo mundo atual quer ser, “viciado” em comida ou álcool, ninguém — mais ou menos como o falecido bordão new wave carioca “todo mundo quer ir pro céu, mas ninguém quer morrer!” Que pecado!!