No último dia 25, a sociedade foi despertada para o dia mundial de combate à violência contra a mulher. Em nosso País, mesmo com o advento da Lei Maria da Penha, de 07 de agosto de 2006 (diploma legal que prevê duras medidas contra os agressores de mulheres), não há o que comemorar.
O IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) apontou em data recente que 472 mulheres morrem vítimas de feminicídio a cada mês, o que traduz o número assustador de 15,5 mulheres mortas a cada dia. As mulheres jovens compõem o maior número de vítimas, eis que 31% estavam na faixa etária de 20 a 29 anos, e mais da metade dos óbitos, no percentual de 54% atingiu mulheres entre 20 e 39 anos. As vítimas negras representam o percentual de 61%.
Esses dados dizem respeito apenas a feminicídio. Se agregarmos aos números anteriormente mencionados os casos de violência não letal, o quadro é ainda mais preocupante. Dados divulgados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública apontam que a cada 2 minutos uma mulher é vítima de violência no País.
Qual a explicação para esse avassalador número de vítimas, considerando que existe legislação suficientemente rigorosa para a punição dos infratores? Os especialistas dirão que o maior problema é a dependência financeira e psicológica de mulheres em face de seus algozes, e que esse fator levaria, inclusive, à conclusão de que os números divulgados não coincidem com a realidade, uma vez que boa parte dos casos de violência sequer chega ao conhecimento da justiça, porque sobreveio o medo ou o perdão da mulher ao agressor. A esse diagnóstico de dependência se aliariam fatores como o machismo, o racismo e a homofobia.
Pois bem, parece que algo está errado se a repressão legal à violência contra a mulher não tem apresentado os resultados esperados.
A meu sentir, parece óbvio que o combate a esse tipo de violência não pode se sustentar apenas na repressão legal. Falta no País uma política pública consistente que atinja o principal pilar de sustentação de desenvolvimento de uma sociedade – a educação, e fomente espaços para diálogos, conduzidos por mediadores, como forma de prevenção à violência e à violência continuada.
Não existe outro caminho, senão a educação, para se perseguir uma cultura de paz, nos moldes daquela preconizada na Declaração da ONU sobre uma Cultura de Paz, de 13 de setembro de 1999. Observe-se, a propósito, o que diz o artigo 1º, alínea “a”, do referido documento internacional: “Artigo 1º. Uma Cultura de Paz é um conjunto de valores, atitudes, tradições, comportamentos e estilos de vida baseados: a) No respeito à vida, no fim da violência e na promoção e prática da não violência por meio da educação, do diálogo e da cooperação”.
Se o machismo, o racismo e a homofobia decorrem de uma cultura que não mais se coaduna com o momento atual de progressão dos direitos humanos, a mudança dessa cultura só pode ocorrer por meio da educação, e ai me perdoem os conservadores, posso afirmar que a escola é sim lugar para se discutir esses temas, no sentido de se buscar o respeito às desigualdades. Quem pensa o contrário compactua com o cenário de violência do País, sobretudo a violência contra a mulher.
Espaços de mediação, que já existem em muitos lugares, mas em função de esforços de membros do Judiciário, do Ministério Público, de Defensorias Públicas e de seguimentos da Ordem dos Advogados do Brasil, e não de políticas públicas definidas, haveriam de brotar em todo o País, como forma de se obter resultados de curto prazo no combate à violência contra a mulher. Estimular casais, além de pais e filhos em conflito a frequentar esse fórum de diálogo, que representa a mediação, seria um bom caminho para a pacificação.
O tema mediação poderia ser objeto de um artigo próprio. Não vou me alongar sobre ele, mas vale, ao menos, arriscar uma conceituação da mediação como forma de solução de conflitos na qual uma terceira pessoa, neutra e imparcial, facilita o diálogo entre as partes, para que elas construam, com autonomia e solidariedade, a melhor solução para o problema. O mediador há de possuir formação específica em mediação e não precisa, necessariamente, ser bacharel em direito.
Nosso Código de Processo Civil passou a reconhecer a mediação como uma forma de solução de conflitos, quando previu no artigo 165, § 3º, que “o mediador atuará preferencialmente nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes, auxiliando os interessados a compreender as queixas e interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação identificar, por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos”.
Mas, quando falo de mediação como política pública de pacificação de conflitos, não me restrinjo à atenção aos casos que já estão no aparelhamento de justiça. Os espaços de mediação seriam obrigatoriamente instalados nas escolas e nas comunidades (das mais abastadas às mais carentes). As escolas são lugares privilegiados para a identificação de conflitos familiares, e lideranças comunitárias bem preparadas seriam bons agentes de incentivo à frequência de espaços de mediação para famílias conflituosas.
Conflitos gerenciados com eficiência podem levar à restauração das relações e à colaboração. A escola e o terreno comunitário são cenários de uma multiplicidade de conflitos, principalmente os de relacionamento, pois neles convivem pessoas de diferentes idades, origens, sexos, etnias e condições socioeconômicas e culturais.
Portanto, educação de qualidade e humanitária, associada a espaços de mediação haveria de compor uma política pública séria de enfrentamento à violência, sobretudo a violência contra a mulher. É preciso cobrar do poder público providências como essas. A lei, fria, no papel, por si só, não resolve.