Há vitórias que mudam um placar. E há vitórias que mudam a história. O que a equipe brasileira de atletismo paralímpico conquistou neste outubro, em Nova Déli, é, com certeza, um novo capítulo na história do nosso esporte.
Pela primeira vez, subimos ao topo do quadro de medalhas do Campeonato Mundial, desbancando o domínio quase eterno da China. Nossos 50 atletas foram gigantes; subiram ao pódio todos os dias da competição, trazendo para casa um total impressionante de 44 medalhas. A China, que pela segunda vez na história perdeu essa liderança, ficou em segundo lugar, seguida pelo Irã, em terceiro. Mas, mais do que uma conquista, este resultado foi uma afirmação: hoje, o Brasil é a maior potência mundial da modalidade.
E como em toda grande epopeia, o último dia foi um roteiro de cinema, daqueles que testam o coração. Na final dos 200m T12 (deficiência visual), nossa Clara Daniele cruzou a linha de chegada em segundo lugar, com o tempo de 24s42. Mas o esporte, às vezes, é justo nos detalhes. A arbitragem analisou a corrida e percebeu o que a velocidade havia escondido: o guia da atleta venezuelana, que liderava a prova, puxou a competidora antes da linha de chegada, uma condição não permitida pelo regulamento. A rival foi desclassificada, e o que era prata se transformou em um ouro suado e merecido para Clara.
Mas este não foi o único momento de arrepiar. De forma inédita, a ribeirão-pretana Zileide Cassiano voou na caixa de areia, conquistando o ouro no salto em distância T20 (deficiência intelectual) com um salto de 5,88m. Já a acreana Jerusa Geber, ao vencer os 200m T11 (deficiência visual), escreveu seu nome na história: tornou-se a brasileira, entre homens e mulheres, com o maior número de pódios em mundiais.
As conquistas são inúmeras mas, mais do que medalhas, os atletas conquistaram um feito histórico. Com recorde de ouros, a equipe brasileira vem forte para a primeira etapa do ciclo olímpico de 2028, e o esporte paralímpico brasileiro, tão bem sucedido ao longo de sua história, renova suas esperanças para se manter no topo do mundo até as Olimpíadas de Los Angeles.
Apesar da pouca visibilidade, os bons resultados são frutos de investimento e organização do comitê paralímpico que assume a gestão das modalidades. O que antes era feito de maneira independente, hoje conta com um órgão que centraliza as ações, a coordenação e o rendimento, otimizando a gestão e conquistando melhores resultados. Os recursos financeiros que levaram o Brasil ao topo neste mundial vieram, principalmente, do Bolsa Atleta, que contemplou 100% dos atletas. O atletismo paralímpico é, com folga, a modalidade que mais recebe recursos do programa, e em Nova Deli, provaram que o investimento gera frutos, trazendo para casa, além das medalhas, um sentimento de orgulho.
No entanto, mesmo com o peito cheio de orgulho, fica uma sensação agridoce. A sensação de que a mídia e, sejamos honestos, a sociedade em geral, ainda não perceberam a grandeza desses atletas. O olhar sobre o esporte paralímpico muitas vezes ainda é turvado pelo capacitismo, que nos impede de reconhecer a potência onde vemos apenas a deficiência.
Vivemos um paradoxo doloroso: enquanto no dia a dia, a falta de acessibilidade cerceia o direito básico dessas pessoas de ocuparem espaços, nas pistas e campos, eles nos mostram a força e a capacidade de serem heróis nacionais. Heróis que, mesmo cobertos de ouro, ainda lutam para ser vistos.



