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“Amores Materialistas” – O amor sob o vidro, e o vidro como sintoma

Fabrício Correia
Fabrício Correia
Fabrício Correia é jornalista, escritor, professor universitário, especialista em Acessibilidade, Diversidade e Inclusão. É crítico de cinema, membro da Academia Brasileira de Cinema e apresenta o programa “Vale Night” na TV Thathi SBT.
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Há algo de profundamente inquietante em “Amores Materialistas”. Não porque ele conte uma história improvável, mas porque conta, com exatidão asséptica, aquilo que nos acostumamos a aceitar como normal: a conversão do sentimento em produto. É um filme bonito e é justamente isso que o torna mais perturbador. Porque a beleza, aqui, é a embalagem que suaviza a falta de vida que há no interior.

Lucy (Dakota Johnson), a casamenteira, administra o amor como se fosse patrimônio. E talvez seja esse o ponto mais duro do filme: quando o amor deixa de ser encontro e passa a ser um tipo de aplicação financeira. Harry (Pedro Pascoal), com sua fortuna, oferece a estabilidade que a sociedade chama de segurança; John (Chris Evans), com sua precariedade mais viva, oferece o descontrole que lembra o amor em estado bruto. Entre eles, não há só a escolha de Lucy: há o mapa afetivo de uma época inteira, que nos ensinou a medir antes de sentir.

O filme não se arrisca a mostrar o amor que derruba a mesa. É todo calculado, como se o sentimento fosse uma peça num jogo de xadrez. E talvez a diretora Celine Song queira mesmo isso: denunciar que até o romance foi sequestrado por essa lógica de custo-benefício. Mas a denúncia, quando tão bem polida, corre o risco de se confundir com o próprio objeto que critica.

Porque o amor verdadeiro, o que marca, o que muda a vida, raramente é fotogênico. Ele chega na hora errada, bagunça tudo, nos tira o prumo. Ele não quer saber se podemos pagar o preço; ele é o preço. Não oferece retorno garantido e não cabe em contrato. E justamente por isso é raro — porque exige de nós a coragem de perder.

Ao assistir, senti que Lucy não é só uma personagem: é o retrato de como aprendemos a amar hoje. Amor com prazos, com cláusulas, com receio de deixar que alguém veja o que realmente somos sem que isso possa ser usado contra nós. Amor que se exibe, mas não se entrega. Amor protegido pelo vidro — o mesmo vidro que, de tão transparente, nos engana: parece que podemos tocar, mas basta estender a mão para sentir a barreira.

E então percebo que “Amores Materialista” fala de uma geração inteira que coleciona afetos como peças raras, mas evita usá-las. Porque usar é desgastar. E desgastar é perder valor. Só que, ao fazer isso, esquecemos que não há valor nenhum naquilo que nunca foi vivido. Talvez o que falte no filme seja o que falta em nós: o risco. A disposição de quebrar o vidro e ver o que acontece. O amor, afinal, não foi feito para ser contemplado à distância. É para ser gasto, até o fim.

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