3 em cada 10 sem-teto que saíram de projeto de moradia em SP foram expulsos

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em pouco mais de oito meses desde a inauguração das casas modulares disponibilizadas pela Prefeitura de São Paulo para abrigar pessoas em situação de rua, 3 em cada 10 desligamentos foram forçados. Desde dezembro do ano passado, 38 pessoas foram expulsas pela entidade que gerencia as moradias, de um total de 116 saídas no período. Até junho, 212 pessoas tinham sido atendidas.

Inaugurado como a principal resposta da gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) diante do aumento da população de rua, o projeto oferece moradia transitória por até dois anos a famílias que foram parar nas ruas. O modelo é formado por casas de 18 metros quadrados organizadas em vilas. Atualmente, há duas unidades em funcionamento, no Canindé e no Anhangabaú, ambas na região central da cidade.

As expulsões foram precedidas, em maior parte, por casos de violência de gênero, ameaça e agressão entre os moradores. Um dos expulsos, que não quis se identificar, afirma que deixou uma das unidades há cerca de dois meses após ter sido xingado e acusado de agredir outra moradora.

Ele estava havia pouco mais de um mês na Vila Reencontro do Canindé, onde já morava sua mulher com o filho. O casal relata consumo de álcool e drogas nas unidades e diz que moradores usam até facas para ameaçar vizinhos quando há desentendimento. Eles contam, por exemplo, que presenciaram uma briga entre outro casal em que a mulher apontou uma faca para ameaçar o marido.

O casal afirma que houve confusão até durante um passeio organizado pela entidade administradora da Vila Reencontro ao parque Villa-Lobos (zona oeste) para ver uma exposição, no fim de julho. Durante a visita, duas mulheres se desentenderam e se agrediram.

Procurada, a Smads (Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social) afirma que o homem foi expulso “após proferir ameaça direta à vida de uma moradora, além de diversas outras ameaças a moradores e equipe técnica da Vila”. Dois boletins de ocorrência foram registrados, segundo a secretaria. O ex-morador nega as acusações e afirma ter sofrido ameaças dentro da vila.

A Smads diz ainda que os agentes do serviço são orientados a mediar os conflitos nas unidades e, quando há ameaças à integridade física, o morador é advertido verbalmente. Em caso de reincidência, é feita uma notificação e, persistindo o comportamento, o acolhido é direcionado a outro equipamento da rede municipal.

Em relação ao consumo de álcool e drogas nas unidades, a Smads afirma que a prática é proibida em todos os equipamentos de acolhida.

Diante da expulsão do marido, a mulher e o filho pediram desligamento da vila e, após passar alguns dias em uma barraca montada em uma praça próxima à Vila Reencontro, a família foi encaminhada para um abrigo.

As vilas Reencontro são geridas por uma entidade especializada em acolher refugiados no norte do país, a Avsi Brasil (Associação Voluntários para o Serviço Internacional), que tem contrato de R$ 20,7 milhões com a prefeitura, firmado no fim do ano passado e com validade de dois anos.

Anunciada pela gestão municipal como uma “iniciativa inspirada no modelo internacional housing first” (moradia primeiro, na tradução direta), a Vila Reencontro difere dos demais abrigos pela proposta de fornecer autonomia aos moradores na tentativa de simular uma habitação mais próxima da realidade. A diretriz é um dos pilares do princípio de acolhida criado na década de 1990 nos Estados Unidos.

Na prática, porém, a Vila Reencontro ainda mantém traços presentes nos demais centros de acolhida, como fornecimento de refeições em horários preestabelecidos e controle de acesso às vilas entre as 6h e as 22h. Depois desse horário é preciso autorização.

A Smads afirma que os acolhidos têm opção de fazer a própria comida nas unidades e que o controle de acesso foi aprovado em assembleias realizadas entre os moradores.

Segundo a gestão municipal, os casos de violência de gênero, ameaça e agressão registrados nas vilas se perpetuam em outros serviços de acolhimento, onde as regras também são elaboradas de forma conjunta entre os que utilizam os endereços e os funcionários.

MARIANA ZYLBERKAN / Folhapress

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