40% das redes de ensino no país não consideram efeitos do racismo no aprendizado

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Quatro em cada dez redes públicas de ensino no país não consideram os efeitos do racismo no desempenho dos estudantes brasileiros. A conclusão é de um diagnóstico inédito sobre equidade racial na educação feito pelo MEC (Ministério da Educação).

Os dados foram apresentados nesta segunda-feira (18) por Zara Figueiredo, titular da Secadi (Secretaria Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão) da pasta. É a primeira vez que o ministério monitora a implementação de políticas para uma educação antirracista.

Desde 2003 o Brasil possui uma lei que tornou obrigatório o ensino da história e da cultura afro-brasileira nas escolas e, desde 2008, a lei que deu início à educação das relações étnico-raciais. A implementação dessas leis, no entanto, nunca foi monitorada ou fiscalizada.

“Não estamos dizendo que nada foi feito nesses 21 anos, muito foi feito nesse período. Mas essas ações estão mais relacionadas a iniciativas individuais de professores ou de algumas escolas, não de uma política estruturada pelas secretarias de educação”, disse Figueiredo.

O diagnóstico indica que a maioria das redes possui normativas sobre a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira nas escolas, mas poucas têm ações para ajudar os professores a colocarem em prática no currículo e para que a educação antirracista esteja presente em todos os ambientes escolares.

Para o monitoramento, o MEC formulou o índice Erer (Educação para as Relações Étnico-Raciais) para as redes estaduais e municipais de ensino do país. O índice avalia ações implementadas, por exemplo, para a formação de professores, gestão escolar, material didático e financiamento.

“Os dados nos mostram que as redes de ensino avançaram mais em ações institucionais, como criar uma legislação específica ou distribuir um caderno de orientações para as escolas. Mas elas avançaram pouco em questões mais estruturantes para pensar uma educação antirracista, como considerar financiamento diferente para enfrentar o racismo em cada unidade”, afirmou a secretária.

Segundo o diagnóstico, 16 das 27 redes estaduais de ensino (59,3%) disseram levar em consideração o efeito do racismo no desempenho dos alunos ao formular políticas para combater as desigualdades de aprendizagem. Entre os municípios, 58,6% disseram levar isso em conta.

Ou seja, cerca de 40% das redes de ensino não pensam em estratégias para mitigar efeitos do racismo na educação, que perpassam questões da infraestrutura escolar, incentivo financeiro e apoio emocional para estudantes pretos, pardos e indígenas.

Entre as redes estaduais que obtiveram pontuação mais alta no índice estão as de Rondônia, Distrito Federal e Ceará. Elas se destacam por ações de formação de profissionais que atuam na educação, elaboração e disponibilização de material didático e ações antirracistas para a gestão escolar, respectivamente.

Dados do Censo Escolar mostram, por exemplo, que 50,7% dos estudantes brancos do país estudam em escolas com infraestrutura considerada adequada, enquanto apenas 4,9% dos estudantes negros têm acesso a unidades com todas as condições educacionais necessárias.

O monitoramento identificou ainda que 59,3% das redes estaduais e 36,2% das redes municipais têm um protocolo de ações para casos de racismo ou injúria racial dentro das unidades escolares.

“A educação para as relações étnico-raciais não depende apenas de uma mudança de currículo, mas de ações para mudar a estrutura, pensar em todos os fatores que geram as desigualdades raciais. Para isso, é preciso ter ações estruturais e garantir financiamento adequado”, afirma Figueiredo.

Os dados mostram ainda a dificuldade das redes em conseguir oferecer cursos de formação de equidade racial para todos os servidores que atuam nas escolas. Desde a sanção da lei em 2003, 46,4% dos municípios e 88,9% das redes estaduais ofereceram cursos de, no mínimo 30 horas, para os professores.

Já os cursos voltados para ensinar servidores técnicos das secretarias a preencher o Censo Escolar foram ofertados em 50,7% das redes municipais e 70,4% das redes estaduais. O país tem atualmente 25% das matrículas da educação básica sem o preenchimento do dado racial dos estudantes.

“Tem estados em que mais de 60% das matrículas não tem a informação sobre raça. Sem saber quantos e onde estão os estudantes negros, como as redes vão conseguir desenvolver estratégias para a equidade racial? Por isso, as ações precisam estar articuladas.”

Outros levantamentos já mostraram como estudantes negros são mais prejudicados pela falta de oportunidades durante a idade escolar.

Crianças brancas de 0 a 3 anos, por exemplo, têm mais acesso à creche no Brasil —49,7% estão matriculadas na educação infantil, enquanto entre as crianças negras dessa faixa etária a taxa é de 39%.

Outros estudos também mostram que alunos pretos ao final dos anos iniciais do ensino fundamental (do 1º ao 5º ano) têm desempenho escolar menor, equivalente a dois anos a menos de aprendizado do que brancos, na rede pública brasileira.

De acordo com o monitoramento, a maioria dos municípios (74%) e estados (85%) faz a aquisição de material didático e obras literárias que promovem a diversidade étnico racial.

“A maioria das redes pensa na aquisição desses materiais como algo importante para uma educação antirracista, mas esse número precisa ser ampliado. Temos hoje ainda centenas de milhares de estudantes pretos que vão passar a educação básica toda sem ler um livro em que o protagonista é preto como ele. Ou que não vai ter uma boneca negra para brincar na escola.”

O monitoramento é uma das estratégias da Política Nacional de Equidade, Educação para as Relações Étnico-Raciais e Educação Escolar Quilombola, criada em maio pelo governo do presidente Lula (PT). Entre outras ações, também prevê a distribuição de recursos extras para para escolas que possuem persistentes índices de desigualdades de aprendizagem entre alunos brancos e pretos e formação de professores.

ISABELA PALHARES / Folhapress

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