À medida que se aproxima o início da COP28, a conferência do clima da ONU (Organização das Nações Unidas), as atenções se voltam para Dubai, para acompanhar as negociações neste ano. O evento começa nesta quinta-feira (30) e, até o dia 12 de dezembro, os Emirados Árabes terão a missão de entregar um acordo satisfatório mesmo com acusações de conflito de interesses pesando sobre a organização.
A cúpula acontece em um momento que é considerado crítico para frear a crise climática, já que é preciso cortar drasticamente as emissões de carbono até 2030 para que seja possível cumprir o Acordo de Paris.
No entanto, diversos estudos lançados nas últimas semanas mostram que as políticas e medidas para tentar conter o aquecimento global em, preferencialmente, 1,5°C e, no máximo, 2°C, ainda estão muito aquém do necessário.
Planeta caminha para mais de 2,4°C de aquecimento
Um dos pontos centrais a serem discutidos na COP28 é um inventário das ações voltadas ao combate às mudanças climáticas (chamado de “global stocktake”, ou balanço geral) feito pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês).
Publicada em setembro, a avaliação está prevista no Acordo de Paris, assinado em 2015, e é o levantamento mais abrangente já feito sobre o andamento do combate à crise climática. Os resultados apontam que, apesar de avanços, a humanidade está rumo a um aumento de 2,4°C a 2,6°C na temperatura média global.
A análise será discutida em Dubai e, a partir dela, os países devem reavaliar seus atuais esforços e assumir compromissos mais ousados –que devem ser apresentados até 2025, na COP30, que deve acontecer no Brasil, em Belém.
Outro estudo cita um cenário ainda pior para o futuro. O relatório anual sobre a Lacuna de Emissões, do Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), aponta que o mundo terá de 2,5°C a 2,9°C de aquecimento em relação aos índices pré-industriais se os governos não acelerarem o corte de emissões.
O documento também traz números da Organização Meteorológica Mundial que apontam que as emissões de gases de efeito estufa subiram 1,2% entre 2021 e 2022, chegando a um recorde equivalente a 57,4 gigatoneladas de dióxido de carbono.
Produção desenfreada de combustíveis fósseis
Quase 90% das emissões globais são provenientes de combustíveis fósseis. Apesar disso, planos governamentais de todo o mundo indicam que a produção de petróleo, gás e carvão em 2030 deve ser o dobro do que seria permitido para cumprir o Acordo de Paris.
Segundo o Relatório sobre a Lacuna de Produção, elaborado pelo Pnuma em parceria com outras instituições, os países devem produzir 110% mais fósseis no final da década do que seria necessário para limitar o aquecimento em 1,5°C e 69% mais do que seria consistente com um planeta 2°C mais quente.
O Brasil, apesar de ter o desmatamento como principal motor de emissões, é hoje o oitavo no mundo na produção de petróleo, 27º na produção de gás e 29º de carvão e ajuda a puxar essa tendência para cima. Segundo o documento, o plano energético brasileiro prevê que a produção de petróleo cresça 63%, e a de gás, 124% entre 2022 e 2032.
Venda de carros elétricos é único indicador dentro de meta
Analisando os setores da economia em um nível maior de detalhe, fica mais fácil entender porque as previsões futuras são tão pessimistas.
Um estudo conduzido pela ONG WRI (World Resources Institute), entre outras instituições, avaliou 42 indicadores de acordo com o que seria necessário para conter o aquecimento global em 1,5°C. A conclusão foi que apenas um deles está num bom caminho para atingir sua meta para 2030: a porcentagem de veículos elétricos nas vendas de carros.
Seis indicadores estão avançando na direção certa, a uma velocidade promissora, mas insuficiente. Entre eles estão o reflorestamento, a porcentagem de fontes de energia elétrica limpas e a produtividade de carne bovina e ovina.
Outros 24 indicadores estão indo na direção certa, mas muito abaixo do ritmo exigido. Dois exemplos são a redução no desmatamento, que precisaria ser quatro vezes mais rápida, e os investimentos em fontes de energia de baixo carbono em relação à produção de combustíveis fósseis, que deveria ser mais de dez vezes mais rápida.
Há ainda seis indicadores que estão indo na direção totalmente errada. Entre outros pontos, é preciso reverter completamente a rota das ações para controlar o desperdício de comida, o financiamento público para a produção de petróleo, carvão e gás e a venda de ônibus elétricos.
Cinco indicadores têm dados insuficientes.
O ano mais quente da história
Com recordes mensais sendo batidos desde junho, é praticamente certo que 2023 vai ser o ano mais quente em 125 mil anos. O alerta foi dado por cientistas do observatório climático europeu Copernicus e da agência americana Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (Noaa, na sigla em inglês).
O calor extremo é resultado das mudanças climáticas combinadas com a ocorrência do El Niño, que aquece as águas superficiais no oceano Pacífico Oriental e eleva as temperaturas em diversas partes do planeta. Neste ano, já foi quebrado o recorde de mês mais quente já registrado, em julho.
Além disso, em 17 de novembro, pela primeira vez, a variação da temperatura média global ficou acima de 2°C na comparação com os níveis registrados antes da Revolução Industrial (1850-1900).
Naquele dia, a variação de temperatura (ou anomalia de temperatura, no jargão científico) ficou 2,07°C acima da média pré-industrial -números que se mantiveram altos no dia 18, quando o índice ficou em 2,06°C.
Ainda que a ultrapassagem temporária dos 2°C seja simbólica e sirva de alerta, os registros não significam que o Acordo de Paris já tenha sido quebrado. Para que seja considerado que o mundo está 2°C mais quente, é preciso que índices como esse sejam registrados de modo frequente.
Falta de dinheiro para adaptação climática
Mesmo com tantos alertas e eventos climáticos extremos, o financiamento para a adaptação climática nos países em desenvolvimento caiu 15% em 2021. Os dados são de outro relatório recente do Pnuma.
Segundo a entidade, o número mostra que a luta contra os impactos da crise climática está estagnada e que a lacuna de financiamento está piorando.
Os valores necessários para a adaptação ficam na faixa entre US$ 215 bilhões e US$ 387 bilhões anuais –mas os valores arrecadados estão muito abaixo disso, com o déficit ficando entre US$ 194 bilhões e US$ 366 bilhões. O documento conclui que a verba necessária para os países emergentes é de 10 a 18 vezes maior do que os fluxos financeiros.
Em 2009, os países desenvolvidos se comprometeram a fornecer US$ 100 bilhões por ano em financiamento climático para nações mais pobres até 2020, mas a promessa ainda não foi cumprida.
De acordo com estimativas, cada bilhão de dólares gasto, por exemplo, no combate às inundações costeiras, ajudaria a evitar US$ 14 bilhões em danos econômicos.
JÉSSICA MAES / Folhapress