SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Quase a totalidade dos 116 prefeitos mais beneficiados com emendas parlamentares em seus quatro anos de mandato foi reeleita no último domingo (6). Segundo a análise da reportagem, que mostra uma taxa de reeleição de 98% para eles, só dois prefeitos desse grupo não tiveram sucesso.
Os líderes nesse ranking do valor de emendas por eleitor conquistaram uma média de votos válidos elevada, de 72% nas urnas. A certeza de reeleição já era dada para 12 deles, que esvaziaram as oposições locais durante o mandato e eram candidatos únicos.
A eleição municipal de domingo foi a primeira que sofreu um grande impacto da mudança iniciada no governo de Jair Bolsonaro (PL) que deu aos congressistas papel inédito na destinação das verbas federais.
A medida resultou na distribuição total de mais de R$ 80 bilhões em emendas para os 5.569 municípios brasileiros desde o início das gestões dos atuais prefeitos, de 2021 a 2024.
Nesse grupo dos prefeitos mais turbinados, os valores recebidos em emendas passaram de R$ 2.543,70 por votante, mais que três vezes o padrão mediano nacional (o valor do meio de todas as cidades), que é de R$ 847,90.
Dentre os prefeitos mais beneficiados com emendas, os dois únicos que não conseguiram se reeleger foram Izael (União Brasil), em Cabixi (RO), e Cássio Cursino (PSD), em Sítio do Mato (BA).
A reportagem analisou também outros grupos de prefeitos que estão em faixas elevadas de recebimento de emendas, e eles também apresentaram altas taxas de reeleição. Entre os 274 prefeitos que receberam de R$ 1.695,80 a R$ 2.543,70 por eleitor ao longo do mandato, o índice de recondução foi de 91%.
Independentemente da faixa de valor recebido por eleitor, esses prefeitos turbinados têm algo em comum: todos tiveram um índice de reeleição superior à média de todos os prefeitos do país, que neste ano foi de 85%.
Para identificar esse índice, a reportagem considerou a quantidade de chefes dos Executivos eleitos em 2020 que cumpriram todo o mandato desde o início das gestões.
O sucesso de reeleição dos prefeitos turbinados com emendas chega a ser até 20 pontos percentuais maior do que os chefes do Executivos municipais que receberam, por votante, um valor menor do que a mediana brasileira. Dentre esses abaixo da mediana, a taxa de reeleição foi de 78%.
O prefeito e candidato de Bituruna (PR), a segunda cidade mais beneficiada por emendas no ranking, teve uma vitória expressiva no pleito do último domingo.
Rodrigo Rossoni (PSDB) obteve 75% dos votos na cidade do interior do Paraná, ante 19% conseguido por Nelson Liber (PT) e 5% por Marcos Bertoletti (PDT).
Conhecido pela tradição vinícola, o município recebeu R$ 83 milhões em emendas nos últimos quatro anos, basicamente R$ 6.455,30 por eleitor. A quantia é 661% acima do valor mediano do país.
No município, ocorreu um fato que chama a atenção no sistema das emendas: o grande direcionamento de recursos para parentes de deputados e senadores que governam municípios.
Em seu mandato municipal, 43% do valor recebido em emendas tiveram como autor o pai dele, Valdir Rossoni, no período em que ele exerceu o cargo de deputado federal pelo PSDB. O total enviado pelo pai em valores absolutos foi de R$ 35 milhões.
A reportagem procurou Rossoni por meio da assessoria da prefeitura nesta terça-feira (8), mas o prefeito não se manifestou.
O município mais beneficiado por emendas no país, Barra D’Alcântara (PI), teve candidato único. O prefeito da cidade, Mardônio Soares (MDB), teve a vitória chancelada por 2.411 votantes no universo de 3.600 eleitores.
Situado a cerca de 230 km de Teresina, o município emancipado em 1997 recebeu um total de R$ 23 milhões de emendas parlamentares nos últimos quatro anos.
Ouvido pela Folha de S.Paulo no fim de agosto, Soares admitiu como desleal a situação do jogo político local.
O prefeito disse que a maior parte das emendas destinadas ao município em seu mandato foram na modalidade Pix, aquela em que o congressista padrinho da remessa não precisa explicar como o dinheiro será utilizado.
Esse tipo de emenda passou a ser alvo do STF (Supremo Tribunal Federal) pela baixa transparência na remessa de verbas. Segundo o prefeito, os recursos das emendas Pix foram usados para obras de calçamento e reforma de prédios.
A maior parte das verbas ao município foi destinada pela ex-deputada federal Marina Santos (Republicanos), mas, segundo o prefeito, também houve remessas apadrinhadas pelos senadores Ciro Nogueira (PP) e Marcelo Castro (MDB).
O candidato único da cidade afirmou que também foram feitas obras de pavimentação em bairros com recursos de emendas por meio da estatal federal Codevasf (Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba).
No governo Bolsonaro, a Codevasf foi transformada no principal emendoduto dos congressistas, o que foi mantido na gestão Lula.
Somente em relação à distribuição de máquinas, veículos e implementos agrícolas, os gastos da estatal turbinados pelas emendas saltaram de RS 26 milhões em 2017 para mais de R$ 1,2 bilhão tanto em 2022 como em 2023, de acordo com relatório da CGU (Controladoria-Geral da União).
NATÁLIA SANTOS, FLÁVIO FERREIRA E NICHOLAS PRETTO / Folhapress