RIO DE JANEIRO, RJ (UOL/FOLHAPRESS) – A rua Evaristo Gomes da Silva está lotada e, no telão, um jogo do Botafogo, que acabara de marcar um gol. Enquanto dezenas de alvinegros presentes ao local celebram de maneira eufórica, Seu Valdo Barbosa vai, sozinho, a um canto e dá um beijo em uma bandeira. As lágrimas nos olhos são uma mistura de alegria e saudade.
A peça tem os dizeres “põe a alma e o coração”, trecho de uma música de arquibancada, e uma foto de Gustavo, filho dele, que morreu em 2019, aos 32 anos. Na via localizada na Vila Kennedy, Zona Oeste do Rio de Janeiro, o amor pelo Botafogo ganhou materialidade, e uma família encontrou alento em meio ao luto.
“Para mim, quando chego perto dessa bandeira, parece que ele está aqui ao meu lado. É uma coisa gostosa. Pessoal já até faz pedidos a ele durante o jogo. Esse carinho nos arrebenta, no bom sentido. Me alegra. Eu andava para baixo e melhorei bastante. Eu fico rezando para chegar os dias de jogos”, afirma Valdo Barbosa, pai de Gustavo.
O Glorioso é uma das linhas que fortalece a relação de Barbosa, como é conhecido, com os filhos Fernando e Gustavo, e que agora está ajudando a cicatrizar uma ferida. As reuniões da “Fogo VK” se tornaram algo mais do que simples encontros para assistir às partidas.
“Eu perdi meu irmão para a depressão, em um caso que só fomos descobrir após o falecimento. Foi um baque muito forte, não apenas para a família, mas também para os amigos. Foi uma coisa inesperada, que machucou muito. O pessoal, para homenagear, fez essa bandeira, e a gente sente esse carinho enorme, esse acolhimento. Isso ajuda a confortar”, diz Fernando Borges, irmão mais velho de Gustavo
“Meu irmão era um alvinegro fanático, e a gente sente a presença dele aqui nos jogos. Tanto aqui quanto no Nilton Santos penduramos a bandeira e o que sentimos é o acolhimento. É um momento de desafogo. Não tem um jogo que meu pai não chore”, completou.
A estreia da bandeira foi em julho do ano passado, na vitória sobre o Patronato, da Argentina, pela Sul-Americana, fora de casa. Para os mais supersticiosos uma das características da torcida do Botafogo, a peça já deu sorte logo de cara.
“Virou talismã. E o legal é que tem lugar certo para ela ficar. O Gustavo fica ao lado do telão”, conta Fernando.
Ela estará no Nilton Santos na quarta-feira (23), contra o Peñarol, do Uruguai, no jogo de ida da semifinal da Libertadores. A partida, uma das mais importantes da história do Alvinegro, se torna ainda mais especial por ser o dia do aniversário de 41 anos de Fernando.
O VÍDEO VIRAL
Gustavo já foi responsável por um vídeo que bombou nas redes sociais. No retorno para casa após uma partida, em um vagão de metrô com os amigos da Vila Kennedy, é ele quem grita “E o Flamengo?”, e o Gordinho do Fogão faz uma paródia da dança do Nego Ney, personagem viral da época.
Volta e meia, também em forma de homenagem, Fernando e os integrantes da “Fogo VK” reproduzem aquele vídeo. Mais recentemente, foi após a eliminação do Rubro-Negro na Libertadores.
“O pessoal, às vezes, até confunde e acha que sou eu, mas é o Gustavo. E toda vez que o Flamengo tem um revés, o vídeo volta à alta, e a galera até faz algumas montagens. Se tornou uma lembrança boa, uma coisa leve, nesta segunda-feira (21) em dia, graças a esse carinho. Isso ajuda e ameniza um pouco a saudade”, aponta Fernando.
O PROJETO QUE LEVA O NOME DE GUSTAVO
Fernando é professor de educação física e criou um projeto em 2021 que leva o nome do irmão: a Escola de Futebol Tio Gugu. O escudo, inclusive, está tatuado na mão direita dele, e representa dois garotos jogando bola.
“Eu e meu irmão fomos atletas. Não chegamos a profissionalizar [no futebol], mas fizemos base e passamos por alguns clubes. Sempre tive o sonho de trabalhar com futebol, fui preparador-físico e auxiliar-técnico no Bangu. Em 2021, eu já tinha uma escola em andamento e abri a segunda, e coloquei em homenagem a ele, e o objetivo é fazer o bem. O bem que esse cara levava, estamos dando continuidade”.
Um dos temas que Fernando toca com os jovens e as respectivas famílias é a saúde mental. “Eu senti na pele isso. Após isso ter acontecido, coloquei muito mais força e vontade de trabalhar para evitar ao máximo novos casos. Em minhas escolas, trabalho muito a questão dos valores, e lógico que esse tópico também. Estamos sempre conversando. Quando eu converso com alguém e vejo que é possível salvar uma vida, para mim é uma vitória que vale mais que qualquer coisa”.
Caso você esteja pensando em cometer suicídio, procure ajuda especializada como o CVV e os CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) da sua cidade.
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ALEXANDRE ARAUJO / Folhapress