SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A situação da fiscalização das fronteiras brasileiras e de aeroportos é distinta da retratada em programas populares na TV como “Aeroporto – Área restrita” ou “Operação Fronteira – Brasil”, que mostram o trabalho de policiais e auditores da Receita Federal apreendendo mercadorias contrabandeadas ou drogas.
Na verdade, o Brasil tem, proporcionalmente, uma das menores quantidades de auditores fiscais do mundo. Por isso, eles realizam desde 5 de setembro uma operação-padrão reivindicando a convocação de pessoal aprovado em concurso público em 2023, a melhoria dos equipamentos e a reposição nos vencimentos da inflação acumulada desde 2016.
Equipes para análise e desembaraço das cargas prioritárias definidas em lei, como remédios e cargas vivas, estão mantidas. Mas, em alguns pontos do país, foi intensificada a verificação de carregamentos e de veículos que transitam em portos secos rodoviários, gerando filas de caminhões
O movimento reforça o “estado de mobilização” da categoria que começou em julho. O Sindifisco, que reúne os auditores, afirma que a ação quer dar visibilidade “à falta de cumprimento de acordo do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) com a instalação da Mesa Específica e Temporária da categoria para discussão das pautas”.
De acordo com a OMA (Organização Mundial das Aduanas), o Brasil é o antepenúltimo numa lista de 136 países com a menor proporção de pessoal aduaneiro por quilômetro quadrado –à frente de Somália e Namíbia. O Brasil tem um funcionário para cada 2.291 km². Na Argentina, esta relação é de um para 517 km² e na Bolívia, um para 729 km².
Dados do Siape (Sistema Integrado de Administração de Pessoal) do governo federal mostram que o total de auditores fiscais no país recuou 32% em dez anos, de 10.710 em 2014 para 7.278 agora.
Segundo o Sindifisco, além de 230 vagas imediatas ofertadas no concurso de 2023, restam outros 198 auditores e 323 analistas aprovados no cadastro de reserva aguardando a convocação para curso de formação.
Procurado, o MGI informou que assinou em fevereiro acordo com entidades representativas dos auditores ficais para regulamentação de bônus. Sobre as convocações, disse que “não comenta pedidos em análise”. A Receita Federal não respondeu a solicitação de informações sobre os efeitos da operação-padrão.
O Sindifisco lista pelo menos 12 cidades no Brasil onde a instalação de inspetorias ou alfândega seria urgente, em estados como Acre, Mato Grosso do Sul, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
“O Brasil tem menos de 13% do quantitativo de servidores aduaneiros da América do Sul, e a perda de capacidade operacional das aduanas aumentou a partir de 2014”, afirma Dão Real, diretor de Relações Internacionais e Intersindicais do Sindifisco.
Segundo ele, o concurso para a contratação de novos funcionários em 2023 sequer repôs as perdas do ano passado. “O resultado é que, se temos um fluxo maior de armas e drogas ilegais circulando é porque, de alguma maneira, isso não foi atacado na fronteira. E a economia formalizada, que paga impostos, sofre com fluxos clandestinos”, diz.
De acordo com o Balanço Aduaneiro de 2023, as apreensões de drogas pela Receita Federal atingiram 35,7 toneladas de janeiro a dezembro, sendo a grande maioria de cocaína e maconha (98,2% do peso total).
A apreensão da cocaína concentrou-se nos portos, na saída do Brasil (89%). O de Santos (SP) continua sendo o local em que a Receita Federal mais realizou apreensões da droga em 2023, com 7,1 toneladas.
No modal terrestre, há uma prevalência de apreensão de maconha em relação às demais drogas. No contrabando, a maior parte dos cigarros que entram no Brasil ainda tem sua produção no Paraguai –e as apreensões de 171 milhões de maços em 2023 representaram 23% dos valores de mercadorias apreendidas.
Segundo Aderaldo Eugênio da Silva, auditor da receita em Pacaraima (RR), sua unidade conta hoje com 10 servidores, sendo 4 auditores, 3 analistas e 3 funcionários administrativos –quando o ideal, diz, seria ter 8, 12 e 14, respectivamente.
Pacaraima faz fronteira com a Venezuela e é a principal porta de entrada de cidadãos do país vizinho no Brasil. Atualmente, eles estão sendo recebidos pela Operação Acolhida, que tem pessoal específico para isso. Mas sobra para o posto da Receita uma série de outros problemas, como o contrabando.
Silva afirma que, nos últimos concursos para novos funcionários na região Norte, a Receita Federal enviou mais reforços para cidades grandes como Manaus (AM) e Belém (PA) por terem maior potencial de arrecadação do que algumas fronteiras desguarnecidas.
Segundo Nory Ferreira, auditora fiscal no porto de Rio Grande (RS) e diretora de Defesa Profissional do Sindifisco, os últimos grandes concursos na área ocorreram na primeira metade dos anos 1990. “Como entraram pessoas que já trabalhavam em outras atividades, muitos estão em idade de se aposentar, o que demandará cada vez mais reposição”, afirma.
FERNANDO CANZIAN / Folhapress