(FOLHAPRESS) – Após o desastroso “Seules les Bêtes”, de 2019, era necessário alguma mudança para recolocar a carreira de Dominik Moll nos trilhos.
Surge então “A Noite do Dia 12”, seu sétimo longa. Novamente com roteiro escrito por ele e seu fiel parceiro Gilles Marchand, foi o grande vencedor do César de 2022, levando seis prêmios, entre eles o de melhor filme e melhor diretor.
Moll é alemão, mas fez todos os seus filmes na França, onde também leciona, na prestigiada Fémis. Seus primeiros longas eram disparados os melhores até então.
“Intimité”, o primeiro, lançado em 1994 e baseado em Jean-Paul Sartre, tem a cara do cinema francês nos anos 1990, sob a clara influência de Eric Rohmer.
“Harry Chegou para Ajudar”, de 2000, seu belo segundo longa, une crime e província como um Claude Chabrol menos inspirado, o que é um feito e tanto, dada a grandeza de seu modelo.
A partir do terceiro “Lemming: Instinto Animal”, de 2005, perde-se na narrativa de mistério e estranheza. Em “O Monge”, de 2011, tentou um outro registro, sem sucesso. Seguiram-se o fraco “Más Notícias para o sr. Mars”, de 2016, o mais cômico de seus filmes, e o já mencionado “Seules les Bêtes”.
“A Noite do Dia 12” surge num momento em que sua recuperação parecia improvável. De todos os seus filmes, é o que tem menos humor. É como se a pandemia provocasse uma seriedade maior, um pessimismo indisfarçável que fez bem ao filme, já que humor não é o forte do cineasta.
O protagonista é Yohan, detetive de polícia interpretado por Bastien Bouillon. Ciclista amador nas horas de folga, Yohan é o chefe da equipe que investiga o assassinato brutal de Clara, na noite de 12 de outubro de 2016 em Saint-Jean de Maurienne, perto de Grenoble.
O maior risco que o filme assume é o de informar, já na cartela inicial, que este crime faz parte dos quase 20% que permanecem sem solução. O espectador sabe então que irá acompanhar uma investigação que não vai dar em nada.
A pergunta “quem matou Clara?” é formulada em nossas mentes, como num romance típico de Agatha Christie. Mas a resposta jamais virá, o que não nos isenta de ter nossos palpites. Há até o suspeito típico, homem arrogante contra o qual não encontrarão provas.
Como estão habituados com crimes, os investigadores fazem piadas, conversam sobre amenidades durante as reuniões, dividem uns com os outros as inquietações de suas vidas pessoais. É como se não houvesse diferença entre esse trabalho e um outro qualquer.
Uma certa alienação é necessária para lidar com crimes e pessoas em contato com o mal. Deixar-se afetar demais numa investigação de assassinato é perder a capacidade de trabalhar.
Moll não se contenta em mostrar o cotidiano dos investigadores. Há complicadores com o passar do tempo, a mudança na equipe e as pressões externas, sobretudo de uma nova juíza que não gostou de ver o caso arquivado. Novas questões aparecem, mostrando as mudanças de costumes.
Em um momento específico, por exemplo, uma nova investigadora que se junta à trupe três anos depois pergunta a Yohan se não é estranho que os assassinos sejam quase sempre homens e que os policiais também. “Os homens matam, os homens são a polícia… Um mundo de homens.”
É uma maneira de dizer, neste mundo que não cessa de maltratar suas mulheres, que homens investigando homens tendem a não encontrar nada pela limitação de suas visões, quando não pela falta de empatia. Que é necessário um outro olhar para as coisas, um outro modo de entender reações e respostas.
É também a diferença entre 2016, quando aconteceu o crime, e 2019, em que os clamores por igualdade entre homens e mulheres e reivindicações de representatividade estão mais fortes.
Logo depois desse diálogo, com os policiais de tocaia no local do crime, surge a mais bela cena do filme e -não é exagero dizer- de toda a carreira do cineasta: os pais prestam tributo à filha, colocando velas no lugar em que ela morreu há três anos. Após alguns segundos, eles passam a ser vistos pelo reflexo no vidro do furgão policial.
A imagem dura pouco, o suficiente para não chantagear sentimentalmente os espectadores, mas o bastante para que nossas retinas gravem a construção visual de incrível beleza.
Dominik Moll, com a ajuda de seu fiel escudeiro Marchand, também nos dá um outro olhar para o policial francês.
A NOITE DO DIA 12
Avaliação Muito bom
Quando A partir de quinta-feira (12) nos cinemas
Classificação Não indicada
Elenco Bastien Bouillon, Bouli Lanners, Théo Cholbi
Produção França, 2022
Direção Dominik Moll
SÉRGIO ALPENDRE / Folhapress