FOLHAPRESS – Sexta-feira, 13 de outubro de 1972. Um avião da força aérea uruguaia, fretado para levar 45 pessoas, entre passageiros e tripulação, de Montevidéu, no Uruguai, para Santiago, no Chile, desapareceu na Cordilheira dos Andes a cadeia de montanhas de 8.000 quilômetros, que se estende da Venezuela até a Patagônia.
A bordo estava o time de rúgbi uruguaio Old Christians, selecionado para disputar uma partida contra um time chileno. O Old Christians é, até hoje, o time de rúgbi mais vencedor no país, e o esporte, criado na Inglaterra em meados do século 19, é um dos que mais atraem a atenção dos uruguaios.
Formado por atletas muito jovens, entre 18 e 24 anos, o time de 1972 viajou acompanhado de amigos, familiares e o técnico, o treinador, um médico, um enfermeiro. Além do piloto, do co-piloto e de três comissários de bordo.
Era primavera, mas como as duas cidades estão bem ao sul do nosso continente, separadas apenas pela Argentina, e Santiago fica em um vale circundado de montanhas cobertas de neve o ano inteiro, os Andes não tinham como ser evitados.
E a aviação era bem mais precária 50 anos atrás. O fato é que o Força Aérea Uruguaia 571 se despedaçou quando estava quase chegando ao seu destino e caiu entre duas montanhas na Argentina. O avião, todo branco, foi coberto de neve antes mesmo que o sumiço dos passageiros fosse notado, e ficou praticamente invisível naquela imensidão branca.
Doze pessoas morreram na hora. Outros cinco não sobreviveram à primeira noite. E uma vítima morreu depois de oito dias. Dos 45 que embarcaram, 27 lutaram pela sobrevivência. Mas apenas 16 foram encontrados vivos depois de mais de dois meses perdidos na neve.
As buscas pelo avião desaparecido, feitas pelas forças aéreas uruguaias, chilenas e argentinas, foram canceladas depois de oito dias por causa das más condições meteorológicas e porque, até então, nenhum avião que havia caído nos Andes teve sobreviventes.
Essa notícia foi uma das poucas que os passageiros ainda vivos do voo de 1972 conseguiram ouvir por um rádio transmissor. A partir de então, além do medo, do frio e da fome, a falta de esperança adicionou uma camada extra de desespero nos 27 uruguaios perdidos no meio do nada.
Essa história dramática, triste, cheia de aventura e daquela coisa que anda na moda chamada resiliência, ou seja, o contrário de se deixar levar pelas circunstâncias, o que, nesse caso, significaria morrer, já foi contada muitas vezes antes.
Há filmes, livros, documentários e inúmeras reportagens sobre o caso. Recentemente, a série americana ‘Yellowjackets’, que estreou em 2021 e tem Juliette Lewis e Christina Ricci no elenco, fez uma adaptação da história, com um time de futebol feminino e americano no lugar do time de rúgbi uruguaio.
O que torna este longa-metragem de agora, produzido pela Netflix e dirigido pelo espanhol J.A. Bayona, especial, são as cenas de ação realistas e espetaculares, além da tensão mantida por todos os longos 144 minutos de duração. Não é para os de estômago fraco, fica o aviso.
Fora isso, o foco da história não é mantido apenas nos personagens que conseguiram superar todos os infinitos obstáculos para sair vivos daquele horror. A trama tem trechos narrados por um personagem interessante, Numa, um garoto introvertido que é convencido por um amigo daqueles gregários, que insistem na companhia dos mais tímidos, a embarcar nessa aventura.
Numa é dos que mais resistem à pior decisão dessa história, e a mais conhecida, de comer a carne dos companheiros mortos, preservada pela neve. Quando já tinham apelado para ingerir cigarros e cadarços e ficou evidente que a única chance de sair dali vivos seria cometer canibalismo, alguns parecem preferir a morte, Numa entre eles.
O espanhol J.A. Bayona, de 48 anos, está se firmando como um dos diretores de sequências de ação e tensão mais consistentes do cinema atual. Revelado no longa-metragem “O Impossível”, de 2012, que dramatizava o tsunami que arrasou a costa da Tailândia no réveillon de 2004, com Naomi Watts e Ewan McGregor no elenco, tem mostrado que alterna momentos de terror e delicadeza com mão leve.
Foi ele quem dirigiu o último filme da franquia “Jurassic World”, de 2018, além de dois episódios da série “Os Anéis de Poder”, spin-off da franquia “O Senhor dos Anéis”. Os fãs de terror também vão reconhecer o nome de J.A. Bayona nos créditos de “O Orfanato”, de 2007.
Mas nenhum outro nome é conhecido, os atores são todos uruguaios e argentinos e nenhum ainda é famoso, o que é um alívio em filmes desta natureza. Se, no meio de um elenco desconhecido aparece uma pessoa famosa, é um spoiler imediato. Mesmo neste filme, cujo desfecho é mil vezes mais notório do que o resto da trama.
A SOCIEDADE DA NEVE
Avaliação Bom
Quando 14 de dezembro
Onde Nos cinemas
Elenco Enzo Vogrincic, Agustín Pardella, Matías Recalt
Produção Espanha, 2023
Direção Juan Antonio Bayona
TETÉ RIBEIRO / Folhapress