A ‘Viúva Negra’, obra gigante de Alexander Calder, volta a São Paulo para exposição

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Folhas pretas de metal flutuam sobre o ar com a mesma perspicácia e delicadeza que uma aranha prepara sua teia. Essa é a “Viúva Negra”, um móbile de três metros de Alexander Calder que dá as caras no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo, após ficar anos em Nova York para reforma.

A obra, doada pelo próprio artista ao Instituto dos Arquitetos do Brasil em 1954, compõe de forma inédita a exposição “Calder + Miró”, que chega na cidade após passar pelo Rio de Janeiro em 2022 —naquela edição, o restauro da “Viúva Negra” ainda não estava pronto.

Com uma sala dedicada apenas a acomodá-la, a obra não é a única rara da mostra que celebra a amizade entre Calder e Joan Miró, célebre artista espanhol, já que os trabalhos reunidos são de coleções privadas e raramente iluminados por luzes de galerias ou museus. Muitas delas nem sequer chegaram a ser exibidas ao público alguma vez.

No caso de Calder, são exibidas uma série de telas produzidas nas décadas de 1960 e 1970, muitas delas com sóis e luas em cores primárias que dividem o espaço com alguns de seus delicados móbiles, percursores em explorar o movimento na escultura. É o caso, por exemplo, de “Snowflake”, ou floco de neve, em que arames finíssimos se unem no ar para sustentar pequenas esferas achatadas e brancas.

“Ele usava os recursos da engenharia, calculando o centro de massa para fazer acontecer e pendurando coisas de forma rudimentar”, diz Max Perlingeiro, que organiza a mostra. Cada peça acrescentada na estrutura de arame precisa ser compensada, caso contrário a estrutura cairia para um lado.

O mesmo princípio vale para a “Viúva Negra” e outras esculturas gigantes expostas no instituto, a maioria delas pertencente a Roberto Irineu Marinho, sócio do grupo Globo. “Calder só não foi brasileiro porque nasceu nos Estados Unidos. Ele gostava de samba, de Heitor dos Prazeres, cachaça e feijoada”, afirma Perlingeiro.

“Calder não trabalhava com materiais de boa qualidade. Seu ateliê era uma grande oficina, quase que um ferro-velho. Os arames são absolutamente precários”, diz o organizador da mostra. Quando visitou o Brasil a convite de Mário Pedrosa e decidiu ficar, seu trabalho foi tropicalizado pelos efeitos da maresia e umidade. “Essa ferrugem não se pinta. É a roupa do tempo”, completa o organizador.

Aqui, fez amizade com Lina Bo Bardi e expôs no Masp. Na época, a arquiteta comprou um ventilador e o posicionou atrás de uma cortina do museu, para garantir o movimento dos móbiles do americano, conta Perlingeiro. O artista foi muito bem recebido por arquitetos modernistas e passou a fazer obras encomendadas, e sua permanência no país explica a presença vasta de seu trabalho em coleções particulares.

A amizade com Miró, celebrada em exposições em Nova York quando os dois ainda eram vivos, nasceu na efervescente Paris das décadas de 1920 e 1930. Foi também na cidade que o americano se aproximou de Marcel Duchamp, e o espanhol de André Breton.

As telas explosivas de Miró parecem entoar um dueto inesperado, mas afinadíssimo com os objetos precisos e equilibrados de Calder. Gravuras raras do espanhol revelam caricaturas coloridas de sentimentos indizíveis, trancafiados em um subconsciente rastreado pelos surrealistas.

O uso de mais ou menos pressão na prensa utilizada pelo artista resultou em traços ora mais grossos e encharcados de tinta, outrora ralos e tímidos. A mostra exibe também peças curiosas, como uma pintura feita sobre uma ripa de madeira.

“Ele encontrou [o material] em seu ateliê, pintou, assinou, e foi para uma importante coleção europeia, vendida após sua morte”, diz Perlingeiro. Ou, ainda, uma série de livros de poetas, entre eles o brasileiro João Cabral de Melo Neto, para os quais Miró fez ilustrações inéditas.

“Retrato de Joan Miró”, de 1973, é como uma relíquia da união entre os dois amigos, que duraria pelo resto de suas vidas. Um rosto com olhos de espiral, um vermelho e outro azul, pintado por Calder sobre uma toalha de mesa de um bar parisiense, enquanto mirava o amigo-modelo. Alguns respingos de vinho ainda podem ser notados sobre o tecido branco.

CALDER + MIRÓ

Quando De terça a domingo, das 11h às 19h. Até 15/09.

Onde Tomie Ohtake -r. Coropé, 88, São Paulo

Preço Grátis

ALESSANDRA MONTERASTELLI / Folhapress

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