Abel Ferreira conquistou, na noite de quarta-feira (6), o nono título pelo Palmeiras. O troféu que o isolou como segundo técnico mais vitorioso da história do clube, atrás apenas de Oswaldo Brandão, com dez, carrega ares de derradeiro no relacionamento.
Diferentemente das outras ocasiões, quando não escondeu ter recebido ofertas e deixou clara a posição de obediência ao contrato, o português optou pelo silêncio –ao menos até a publicação deste texto.
O time chega ao 12º título do Campeonato Brasileiro, o segundo com Abel, mas sabe que tem o que temer. Nunca foi tão possível, desde a chegada ao clube em 30 de outubro de 2020, o fim do casamento que já dura 1.132 dias e parecia que seria eterno ao torcedor.
O Al Sadd, do Qatar, é o mais cotado entre os candidatos a pagar a multa de EUR 3 milhões (R$ 15 milhões). O contrato vai até o fim de 2024.
“O Abel tem sido extremamente racional desde a carreira como jogador. Alcançou muitas conquistas, conseguiu se firmar como um dos grandes. E acho, sinceramente, que depois destes anos vai sair. Temos pessoas próximas em nosso círculo de relacionamento, existe mesmo essa possibilidade, e sei que também deseja um projeto vitorioso na Europa”, disse o ex-lateral português Marco Caneira à reportagem, companheiro de Abel no Sporting de 2008 a 2011.
Ao derrotar o Internacional por 3 a 0, em novembro, o treinador desabafou, afirmando estar de saco cheio de jogos seguidos e das longas viagens. No fim, deixou claro pela primeira vez que poderia sair: “Não quero isto para mim”.
O Palmeiras assumiu naquele momento a liderança provisória do Campeonato Brasileiro pela primeira vez depois de mais de um ano –um hiato da última rodada de 2022, em 13 de novembro, até a 34ª de 2023, em 12 de novembro.
A fala foi vista como uma estratégia para desviar os olhares sobre a liderança considerada improvável, possível somente pelo derretimento do Botafogo.
“Se olhar o calendário europeu, verá que ele também está absorvido por muitas competições. É um cansaço pelas viagens, verdade, mas principalmente pela consolidação que alcançou. Abel é inquieto por desafios”, afirmou Caneira.
Abel começou o ano sem reforços mesmo após as perdas dos meio-campistas Gustavo Scarpa e Danilo, ambos para o Nottingham Forest. Coube a ele recuperar Gabriel Menino, autor de dois gols e herói na conquista da Supercopa do Brasil diante do Flamengo.
O treinador recuou Zé Rafael para uma função mais marcadora no meio e apostou em Menino como o seu novo volante criativo. Deu certo.
“Tenho certeza absoluta de que, quando deixei o Gabriel Menino fora do Mundial [em fevereiro de 2022], ele sofreu uma grande dor. Não foi uma dor física, mas que o ajudou a crescer”, disse Abel.
Em abril deste ano, time e treinador comemoraram a conquista do Paulista, com uma virada diante do Água Santa: 4 a 0 no decisivo jogo após derrota por 2 a 1 na primeira partida.
Abel, mais uma vez, mexeu com o emocional de seus jogadores. “Ou revertemos ou passamos uma grande vergonha”, disse, publicamente, após o revés no duelo de ida.
A volta por cima consolidada no Paulista caminhou junto com a polêmica em torno da não escalação de Endrick, prodígio já negociado com o Real Madrid.
Abel começou o ano com o então camisa 16 como titular, mas o sacou da equipe. Endrick precisou de 150 dias para marcar pela primeira vez no ano, jejum encerrado somente na primeira partida decisão com o Água Santa.
“Deixa o garoto estar em paz”, desabafou Abel.
Quando o Brasileiro começou, após dois títulos, tudo indicava águas tranquilas. Chegaram Richard Ríos, destaque do Guarani, e o atacante Artur, do Red Bull Bragantino, comprados por R$ 51 milhões.
O time, contudo, tinha trajetória apenas razoável no campeonato nacional, enquanto prosseguia avançando de fases na Copa Libertadores. Fez novamente a melhor campanha de toda a primeira fase, com 15 pontos dos 18 possíveis.
Nos mata-matas, deixou o Atlético Mineiro para trás, passou com facilidade pelo Deportivo Pereira, mas esbarrou no Boca Juniors, nos pênaltis, com duras críticas pela insistência em manter Endrick e Luis Guilherme no banco, enquanto insistia na dupla Mayke e Marcos Rocha pela direita.
“Eu durmo na cama que eu faço, não durmo na cama que fazem para mim. Eu perco e ganho com as minha ideias, não com as ideias dos outros, porque, se fosse fácil, todos os outros estariam sentados no meu lugar”, respondeu o treinador.
Foram seis jogos consecutivos sem vitórias entre 21 de setembro, dias antes da primeira semifinal, e 19 de outubro. Quatro derrotas, dois empates e uma eliminação para Abel reagir.
Ele mudou a forma do time jogar, resgatou Endrick, engatou cinco vitórias consecutivas, entre delas uma goleada por 5 a 0 sobre o São Paulo, e pôs novamente o Palmeiras no páreo pelo título. O único tropeço foi a derrota para o Flamengo na 33ª rodada.
Ainda em silêncio sobre a permanência, Abel acumula marcas. O nono título pode ter sido o adeus perfeito.
“Ele sabe que precisará sair pelo que chamamos de porta grande. E como seria melhor isso do que ganhando um campeonato?”, questionou Caneira.
Procurado pela reportagem, o empresário Hugo Cajuda evitou especulações. “Neste momento, Abel só pensa e fala de vencer o campeonato”, resumiu, dias antes da conquista.
Declarações marcantes de Abel em 2023
“As pessoas dizem que não gosto da imprensa, mas vou te dar a oportunidade de fazer outra pergunta. Se quiser fazer outra… Não quer? Pronto. O agente dele liga para vocês para perguntar individualmente em toda coletiva? Estou dizendo: não faça pergunta individual. Não há uma santa coletiva de imprensa em que não falem desse grande jogador. Todos temos que ser criativos. É a mesma pergunta toda coletiva de imprensa. Deixa o garoto estar em paz”
Abel sobre questionamentos pela não titularidade de Endrick
“Isso é roubar, isso é roubar”
Abel para as câmeras de transmissão pouco antes do apito final da partida contra o Grêmio, pela 24ª rodada
“Eu durmo na cama que eu faço, não durmo na cama que fazem para mim. Eu perco e ganho com as minha ideias, não com as ideias dos outros, porque, se fosse fácil, todos os outros estariam sentados no meu lugar”
Abel sobre decisões na escalação após a eliminação para o Boca Juniors
“Eu não sou brasileiro, eu sou europeu. Desculpem dizer-vos isto. Eu não sou brasileiro, eu não fui criado na escola de futebol do Brasil. Eu sou europeu. Aprendi no PAOK a ser frio. E aqui é tudo muito emocional”
Abel sobre críticas recebidas pelo comportamento
“Estou de saco cheio. Faltam quatro jogos, estou cansado de muitos jogos seguidos, muita coletiva de imprensa seguida, muitas viagens seguidas. É chegar ao CT às quatro horas da manhã, decidir se volto para casa ou se fico ali mesmo. Não é isso o que eu quero para mim”
Abel em desabafo sobre o calendário exaustivo de jogos no Brasil
KLAUS RICHMOND / Folhapress