PARIS, FRANÇA (FOLHAPRESS) – A mais ambiciosa abertura das Olimpíadas na história superou inúmeras dificuldades logísticas, ameaças terroristas e até a sabotagem do sistema ferroviário do país horas antes de seu início. Mas, nesta sexta-feira (26), foi a chuva, irregular, insistente e inclemente, que tentou estragar a festa de uma França dedicada à diversidade e à tentativa de estabelecer uma nova visão do país.
Um espetáculo reiteradamente desconstruído, em que a tradicional sequência “festa, desfile de atletas, hino e discurso”, espécie de receita de bolo de muitas Olimpíadas, foi completamente desfigurada. Palavras como aborto foram não apenas citadas, mas repetidas. A uma lista de mulheres foram rendidas homenagens. Uma canção cantada em linguagem de sinais ocupou parte importante do momento de apoteose. Não um homem ou uma mulher acenderam a pira olímpica, alçada por um balão da belle époque, mas um casal de atletas, juntos, ao mesmo tempo: o judoca Teddy Riner e a ex-atleta Marie-José Perec.
Um momento para o qual não faltarão franceses para construir uma mensagem de que o esporte precisa ser universal: a chama chegou a eles pelas mãos de Charles Coste, o mais velho medalhista olímpico francês vivo, precedidos por atletas olímpicos e paralímpicos. Antes, a tocha passou pelas mãos de astros franceses, como Zinédine Zidane, e estrelas olímpicas internacionais, como Rafael Nadal, Serena Williams, Nadia Comaneci e Carl Lewis.
Pelo Sena, a prometida parada náutica com atletas de 206 delegações se deu sem grandes transtornos, pontuada por shows que refletiam séculos de França por 6 km de rio. Lady Gaga, Aya Nakamura, alvo de conservadores franceses, os Minions e até dançarinas do Moulin Rouge surgiam em apresentações às margens do Sena e em pontos turísticos conhecidos da capital francesa, como o museu do Louvre e o Grand Palais.
No teto do icônico prédio, uma espetacular execução do hino francês pela mezzo soprano Axelle Saint Cirel,, empunhando a bandeira tricolor, fazia clara referência ao quadro “A Liberdade guiando o povo”, de Eugène Delacroix. Neste momento, parte do público de 320 mil pessoas não pensava na Revolução Francesa, mas sim em procurar abrigo ou tentar não se enlamear tanto nas áreas confinadas pelo forte esquema de segurança.
Em discurso, o presidente do COI, Thomas Bach, celebrou Paris como a cidade de Pierre de Coubertin, “nosso fundador” o homem que não queria mulheres fazendo esporte. “Vamos todos juntos viver os Jogos Olímpicos mais inclusivos, mais urbanos, mais jovens, mais duráveis. Os primeiros Jogos Olímpicos com total paridade de mulheres e homens nas competições.”
No trecho entre as pontes Alexandre 3º e De lAlma, grande parte dos espectadores eram parisienses que receberam ingressos gratuitos mas em pé e com péssima visibilidade do rio, depois de mais de uma hora de espera na fila.
A chuva transformou alguns trechos desse setor em um lamaçal. Quem podia, tentava subir onde dava: grades, estações de energia e até um trator imprudentemente deixado ali, até a polícia tirar.
“Não sei qual a graça. É como ficar vendo os bateaux-mouches passarem”, comentou um espectador. Quando o barco do Brasil passou, centenas de pessoas já estavam indo embora sob a chuva.
No final do trajeto, no Trocadéro, os atletas chegavam em menor número, sugerindo que parte das delegações estava sendo poupada do aguaceiro. Nas tribunas, sem a mesma opção, autoridades, público e jornalistas sofriam. Apenas o trecho onde estava o presidente Emmanuel Macron era mais protegido.
Como manda o protocolo, coube ao político, envolto nas últimas semanas em uma corrida eleitoral das mais complexas e polarizadas, declarar abertos os Jogos. Foi neste trecho final que a cerimônia ganhou ares mais olímpicos.
A Torre Eiffel foi municiada com muitas luzes e lasers em um espetáculo visual que iluminou Paris. Após a longa troca de mãos da tocha, a pira foi acesa em um balão, que ganhou os céus.
Neste momento, foi possível ouvir a voz de uma outra mulher. Do alto da torre, Céline Dion, se apresentando pela primeira vez em cinco anos, cantou “Hymne à l’Amour”, de Edith Piaf, e deu o fim apoteótico que uma cerimônia de abertura pede.
“Os Jogos mais abertos da historia”, um dos bordões da ambiciosa campanha francesa, começaram sob o policiamento de 45 mil homens e a ressaca de uma manhã prejudicada por atos de sabotagem em linhas de trem em todo o país. Por fim, a “ideia louca” de fazer uma festa fora de um estádio pela primeira vez, como descreveu Macron, sofreu debaixo de muita água.
JOSÉ HENRIQUE MARIANTE E ANDRÉ FONTENELLE / Folhapress