Aborto e imigração dividem referendo por nova Constituição do Chile

SANTIAGO, CHILE (FOLHAPRESS) – Temas como aborto, imigração e segurança aparecem nos entornos das urnas montadas no Estádio Nacional de Santiago neste domingo (17), lugar simbólico no Chile por ter sido utilizado como centro de detenção e tortura a opositores durante o regime de Augusto Pinochet (1973-1990).

Mesmo que a atual Constituição do país tenha sido redigida nessa época, parte dos que estão ali dizem que preferem não mudá-la ao ir votar. Os chilenos escolhem hoje se aprovarão ou rejeitarão um novo texto, em clima de cansaço por um processo eleitoral que já dura mais de três anos, desta vez liderado pela direita e ultradireita.

“Votei contra. Prefiro ficar com a Constituição ruim de Pinochet do que com a pior de José Antonio Kast”, diz a designer Antonieta Fuentes, 34, do lado de fora do estádio. Ela se refere ao ex-candidato à Presidência e líder do Partido Republicano, legenda ultraconservadora que levou a maioria das cadeiras no conselho constitucional eleito em maio.

“Principalmente pela questão do aborto, porque nos custou muito conseguir avançar em liberar o aborto [em casos de estupro, má-formação do bebê e risco para a mãe]. Agora, se ganha a nova Constituição, uma criança que seja estuprada vai ter que ter esse bebê”, argumenta ela.

O novo texto abre brecha para restringir o acesso ao aborto, segundo críticos, e dificultar o procedimento ao adicionar um conceito chamado “objeção de consciência” -o direito de uma pessoa a negar práticas profissionais que sejam contrárias às suas convicções.

Ao votar, o presidente Gabriel Boric, que foi eleito prometendo a reforma na Constituição, mas hoje amarga 60% de reprovação, disse que, “independentemente do resultado, o governo vai seguir trabalhando com as prioridades das pessoas”, citando as áreas da segurança, saúde e habitação.

“Hoje, como já foi reiterado nos últimos anos, estamos levando adiante uma votação que mostra que os problemas que temos, resolvemos institucionalmente e por vias pacíficas, confiando no nosso povo. Isso é algo que não devemos minimizar, porque nem todos os lugares são assim”, discursou.

Uma piora da violência no país nos últimos anos e uma grande imigração de venezuelanos foram outros assuntos que pautaram o debate, ainda que a Carta Magna não regule essas questões diretamente. A atuação do setor privado nos serviços de saúde, por exemplo, também está em jogo.

“Votei a favor porque já estou aposentado e quero certezas. Quero manter meu sistema de aposentadoria e de seguro saúde, que são bons e são privados. Também votei por causa da segurança e do controle migratório, que sou a favor”, afirma Carlos Ronda, 72, que antigamente trabalhava no setor de recursos humanos.

“Mas a minha filha pode te dar o outro lado”, sugere ele, ao lado da caçula Carolina Ronda, 46. “Seria um grande retrocesso, por tudo que já conquistamos em direitos das mulheres e em outras áreas”, declara a cineasta.

É a mesma opinião do antropólogo Tomás Sepúlveda, 51, que havia votado a favor da primeira versão mais progressista do texto, rejeitada em setembro de 2022, mas agora mudou para “contra”. Questionado se prefere a Constituição da época de Pinochet, ele responde que o texto atual “não é bem de Pinochet, porque houve muitas reformas”.

O clima geral é de escolher o “menos pior”, o que para o engenheiro viário Juan Ortega, 64, também seria a Constituição atual. “Votei contra na outra votação também. Essa está um pouco melhor, mas ainda tem coisas de que não gosto”, afirma, sem entrar muito em detalhes.

“Eu já estou de saída, quase me aposentando, mas votei pensando nos meus cinco filhos. Estamos cansados, já são três anos nisso. Se não aprova, chega. Fica do jeito que está”, diz.

JÚLIA BARBON / Folhapress

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