BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A abertura do setor elétrico, em estudo no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), pode expandir penduricalhos na conta de luz e elevar a tarifa caso não seja acompanhada de medidas para barrar a aplicação de subsídios, avalia a Abrace (Associação Brasileira de Grandes Consumidores de Energia Elétrica).
A reestruturação do setor elétrico está em discussão no Ministério de Minas e Energia há pelo menos sete anos. O chefe da pasta, Alexandre Silveira, afirmou neste mês que pretende entregar uma proposta ao Congresso sobre o tema até o fim de setembro.
Um dos principais objetivos da pasta é fazer com que consumidores residenciais e pequenos comerciantes possam participar do chamado mercado livre, onde é possível negociar preços e contratos de longo prazo com as empresas de energia. Hoje, somente grandes empresas têm acesso a esse modelo.
A título de comparação, a tarifa média no mercado tradicional no ano passado encostou em R$ 740 pelo MWh (megawatt-hora). No mercado livre, no entanto, ficou na faixa de R$ 120 e, por causa do preço, atrai cada vez mais empresas o que eleva a conta de quem fica no outro modelo.
“Não é justo que apenas 2% dos consumidores brasileiros tenham a liberdade de escolher de quem comprar energia e 98% dos consumidores […] têm que comprar da distribuidora. Então nós temos que dar essa liberdade ao consumidor e sustentabilidade ao setor”, afirmou Silveira.
“Todos estão muito conscientes que nós estamos partindo para perto de um colapso tarifário e estamos chegando muito perto do despenhadeiro para uma sustentabilidade de todo o setor. Então é importante que haja esse freio de arrumação, para que a gente possa planejar o setor de forma ordenada de agora em diante”, disse.
Para a Abrace, a discussão sobre as mudanças nas regras gera uma oportunidade de transformar o setor e desmontar uma teia de interesses que faz o consumidor pagar por encargos que não usufrui.
No entanto, a associação vê como um dos principais pontos de atenção o risco de ampliação do desconto nas tarifas de distribuição e transmissão de fontes renováveis (como eólicas, solares e biomassa). Hoje, só o chamado grupo A (alta tensão, usada por grandes empresas) tem acesso ao benefício que custa R$ 12 bilhões ao ano.
O custo pode triplicar se o desconto for estendido ao chamado grupo B (baixa tensão, usada por residências e pequenos comércios). Um dos principais impulsionadores do preço seria o valor para usar o fio, muito mais caro para as casas do que para a indústria por causa da complexidade da operação (a redução da tensão de energia desde a geradora até o uso de eletrodomésticos, por exemplo, é bem mais complexa).
O desconto, nesse cenário, seria usado por consumidores que conseguiriam fechar contratos com as empresas de energia. Enquanto os demais, principalmente os mais pobres (que tendem a ser preteridos pelas companhias por causa do perfil socioeconômico), podem acabar pagando a fatura do subsídio.
O desconto no uso do fio, existente há muitos anos, já foi renovado em diferentes momentos e pode ser usado por 20 anos. Ele tem incentivado a expansão da energia renovável e reduzido custos para empresas que contratam com essas usinas, mas ao mesmo tempo pressiona subsídios para o conjunto dos consumidores.
Para a Abrace, é preciso vedar a concessão de descontos nas tarifas para consumidores do grupo B. Paulo Pedrosa, presidente da Abrace, afirma que o ideal é eliminar o desconto também para os consumidores do grupo A.
Além disso, a entidade diz ser necessário que, uma vez aberto o mercado, o consumidor comum seja devidamente informado sobre o preço de energia que varia conforme a demanda em cada horário para não acabar pagando ainda mais caro. Com isso, fica mais possível a população fazer uso do sistema fora de momentos de pico.
“Se a dona de casa vai usar a máquina de lavar fora do horário de ponta, ela vai ajudar o sistema. Tanto o alto-forno da indústria [usado em metalúrgicas] como a máquina de lavar roupa em casa tem que respeitar o princípio da eficiência”, afirma Pedrosa.
A entidade defende ainda outras iniciativas para barrar o aumento na conta de luz. Entre elas, transferir gradualmente os subsídios da CDE (Conta de Desenvolvimento Energético) para o Orçamento da União e, paralelamente, trabalhar para a eliminação deles como o desconto na energia para agricultores que usam irrigação, em vigência desde o governo Collor por causa de uma portaria.
Também prega o combate a jabutis (a tentativa de incluir em pauta um assunto que não tem relação com o tema principal) no projeto das eólicas em alto-mar, como o subsídio a termelétricas a carvão, e reduzir a obrigação do montante de energia térmica imposto pela lei de privatização da Eletrobras.
FÁBIO PUPO / Folhapress