Abu Dhabi, com seu Louvre, quer disputar hegemonia cultural com o Ocidente

ABU DHABI, EMIRADOS ÁRABES UNIDOS (FOLHAPRESS) – Paris e Roma já foram o epicentro da cultura, mas agora ele está se deslocando para a Península Arábica. Pelo menos é o que diz Mohamed Khalifa Al Mubarak, chefe do Departamento de Cultura e Turismo de Abu Dhabi (DCT), capital dos Emirados Árabes Unidos, na Culture Summit Abu Dhabi, que aconteceu em abril.

Al Mubarak diz que muitos lugares ao redor do mundo, sobretudo no Ocidente, dão menos ênfase à cultura do que deveriam, e garante que, quando a questão é vista pela perspectiva do Oriente Médio, “é o extremo oposto”. Lá, afirma, cultura é vista como um investimento necessário e não um gasto decorativo.

No evento, repleto de profissionais da cultura do mundo todo, prega-se para os convertidos. Em 2021, o chefe do DCT disse ao Financial Times que planejava investir US$ 6 bilhões —ou cerca de R$ 29,9 bilhões— no setor cultural em cinco anos. Para termos de comparação, no Brasil o orçamento do Ministério da Cultura em 2023 foi de R$ 1,9 bilhão.

Assim como o Brasil na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro, cultura não tem uma pasta própria em Abu Dhabi e está diretamente ligada ao turismo.

Cultura representou 0,32% do produto interno bruto de Abu Dhabi em 2020, de acordo com o DCT. No mesmo ano, nos Estados Unidos, o setor respondeu por 4,4% do PIB. No Brasil, a taxa foi de 3,11%, segundo estudo do Itaú Cultural.

Mas o governo quer mudar esse cenário. Com investimentos recentes, Abu Dhabi preve que o setor responda por 5% do PIB até 2031. “Temos muita sorte de ter uma liderança que tem uma visão de longo prazo. E, nessa visão, cultura está no centro”, diz Al Mubarak.

Numa economia que tem previsão de crescer 5% este ano, cabe muita coisa dentro desse centro, além da cultura. Se os US$ 6 bilhões destinados ao setor cultural saltam aos olhos, outras investidas recentes em outras áreas são superlativas.

O governo de Abu Dhabi anunciou a criação de uma firma de investimento centrada em inteligência artificial e semicondutores. O objetivo é ter US$ 100 bilhões —ou R$ 543 bilhões— em ativos financeiros, de acordo com a Bloomberg.

A Culture Summit Abu Dhabi acontece na ilha de Saadiyat, um emaranhado de hotéis de luxo, campos de golfe e filiais de instituições de grife das mais renomadas no setor cultural mundial. Estão lá o Louvre, a renomada escola de música Berklee, a New York University e o Guggenheim, que está em construção.

Também povoam Saadiyat o Museu de História Natural, a Bassam Freiha Fundação de Arte e o Zayed, o museu nacional dos Emirados Árabes, outro em construção.

Mas, para conquistar esses grandes nomes, foi preciso molhar a mão dos ocidentais. Para usar o nome do Louvre por 30 anos, por exemplo, Abu Dhabi pagou € 400 milhões, equivalentes a R$ 2,1 bilhões. Mas eles têm dinheiro e bons contatos.

O Culture Summit conta com a parceria de instituições que habitam o epicentro da cultura, ainda no Ocidente, como o Design Museum de Londres, o Google, o Guggenheim e a Recording Academy, que organiza o Grammy.

Nas mesas redondas, são jogadas palavras bonitas como “diversidade”, “democratização da cultura” e “precisamos falar sobre isso”, mas o que realmente está em jogo naquela monarquia absolutista é um plano de desenvolvimento econômico que pretende surfar na bonança trazida pelo petróleo e, no longo prazo, sair da dependência do combustível fóssil.

Só que cultura é uma entre inúmeras prioridades do governo local, que vem se engajando num esforço para diversificar sua economia. Em 2005, 59% do PIB de Abu Dhabi vinha do petróleo. O plano é que, em 2030, a cifra caia para 36%.

Assim como outros países da região, Abu Dhabi tem uma espécie de plano de metas de desenvolvimento para a próxima década, o Economic Vision 2030. No relatório, são elencadas uma série de indústrias para fugir do extrativismo, e cultura não tem um tópico próprio. É apenas mencionada na seção de turismo e mídia.

As demais são energia, petroquímica, metalurgia, aviação aeroespacial e defesa, indústria farmacêutica, turismo, equipamentos e serviços de saúde, transporte e logística, educação, mídia, serviços financeiros, telecomunicações

O governo da capital, por sua vez, disse ao jornal local The National que o turismo deve representar 12% do PIB até 2030. O tema da cúpula de cultura de Abu Dhabi este ano é o tempo. É um mote vago e etéreo, como é comum em eventos de arte.

Mas, no Golfo, as entrelinhas são bem objetivas: eles têm os recursos, a infraestrutura, o planejamento e a estabilidade para chegar aonde querem —música para os ouvidos de investidores. Neste emirado, assim como no Ocidente, tempo é dinheiro. Isso eles têm de sobra.

O repórter viajou a convite do evento

EDUARDO MOURA / Folhapress

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