Acampamento Farroupilha tem homenagem ao criador do dia da Consciência Negra

PORTO ALEGRE, RS (FOLHAPRESS) – As paredes de madeira rústica, as churrasqueiras e a garrafa térmica com água quente servida à mesa deixam o Pêlo Escuro parecido com qualquer outro piquete —como são chamados os quiosques temporários montados em todo mês de setembro no Acampamento Farroupilha de Porto Alegre.

Entretanto, a ilustração de duas mãos de pele negra segurando uma cuia de chimarrão e a imagem do poeta gaúcho Oliveira Silveira (1941-2009) em destaque mostram que, naquele espaço, há um diferencial. Em sua terceira edição, o Pêlo Escuro celebra as contribuições da população negra gaúcha no maior evento cultural do Rio Grande do Sul.

“É um piquete de visibilidade, de uma raça que construiu esse estado”, diz a pedagoga Naiara Silveira, diretora do grupo —também chamada de patroa. “Isso nos dá uma responsabilidade muito grande, porque ele tem um sentido, um porquê de estar aqui.”

Naiara é filha única de Oliveira Silveira, escritor e ativista que idealizou o 20 de novembro, data da morte de Zumbi dos Palmares, como o Dia da Consciência Negra no Brasil. O espaço foi batizado com o título de um de seus poemas mais famosos.

Com um público variado, o grupo conta histórias pouco conhecidas do Rio Grande do Sul, como os lanceiros negros e o surgimento da Sociedade Floresta Aurora.

“Muitas pessoas não sabem que o 20 de novembro nasceu em Porto Alegre, que é uma data gaúcha e agora é feriado nacional”, diz Naiara.

O Acampamento Farroupilha se encerra no domingo (22). Naiara diz que sentirá saudade desta edição, especialmente por seu lado simbólico —o parque da Harmonia foi reaberto para receber o evento ficar alagado em maio.

“Todos os perrengues que tem numa patronagem se esvaem quando a gente tem essas respostas: ‘me sinto em casa’, ‘me sinto acolhido’, ‘que bom estar aqui’. Isso não tem preço”, diz. “Vale a pena o cansaço, as noites sem dormir, a dor nas pernas, vale tudo quando tenho esse retorno.”

“A invisibilidade continua, tanto para os negros, quanto para os índios, quanto para as mulheres. Parece que ainda estamos na revolução de 1932”, diz a cantora e historiadora Maria Luiza Benitez, uma das mestres de cerimônia dos shows do acampamento.

Aos 72 anos de idade e 55 de carreira, ela dedica seu trabalho para resgatar o legado cultural dos povos originários do pampa — dentre eles, seus ancestrais charruas e guenoas. “Através da música, que é uma linguagem universal, eu consigo levar os cânticos, falar dos indígenas e da natureza.”

Patrona dos festejos farroupilhas do ano passado, Maria Luiza nota um avanço da inclusão na cultura gaúcha, embora considere que ele ainda é insuficiente. “Para a mulher teve mais espaço do que para o indígena e que para o negro”, afirma.

A aceitação das mulheres evoluiu com o tempo, diz a arquiteta Otília Fernanda da Rosa Peixoto, 41, patroa do piquete Tchê Gurias, que se originou em 1996 com a vontade de três irmãs em participar dos festejos.

“No início a gente não foi bem-vista aqui. Como éramos mulheres, levavam para o outro lado mais machista”, lembra. “Tinha homens que passavam na frente e diziam que era cabaré”. Em outras ocasiões, revoltados chegaram a urinar na porta do piquete, afirma ela.

“A nossa postura aqui dentro era se impor, que a gente estava aqui porque gostava da cultura, e que o machismo não iria nos derrubar. Tinha que mostrar que era mais forte”, diz ela.

CARLOS VILLELA / Folhapress

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