RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Dois anos após o anúncio do programa Cidade Integrada no Jacarezinho, zona norte do Rio de Janeiro, as ações sociais pouco avançaram na comunidade que registrou a ação mais letal da história do estado.
O programa foi anunciado pelo governador Cláudio Castro (PL) após a operação que deixou 27 civis 1 policial mortos na comunidade em maio de 2021.
O governo justifica que as principais obras no local ficaram atrasadas devido a um imbróglio judicial: o pedido de posse de um terreno de 40 mil metros quadrados onde, entre 1928 e 2011, ocorreu a produção de lâmpadas pelo setor privado que contaminou o solo com resíduos tóxicos.
O terreno é vizinho ao Jacarezinho e passa por processo de remediação ambiental. Segundo o Inea (Instituto Estadual do Ambiente), a área contaminada foi dividida em sete lotes, sendo dois deles, totalmente descontaminados.
Nesses descontaminados, o governo anunciou a construção de um batalhão da Polícia Militar, um ambulatório médico de especialidades, um parque urbano e uma vila olímpica, além de um centro comercial.
No processo do pedido da posse, o Inea afirmou que a área para a construção está descontaminada, mas fez restrições, como: a não utilização do subsolo; a proibição de construções residenciais; e pavimentação de concreto no entorno dos imóveis que serão construídos.
A Promotoria, por sua vez, foi contra a expropriação do terreno. Entre os argumentos, disse que “uma possível posse do Estado criará um novo obstáculo para o desenvolvimento e fiscalização do processo de remediação ambiental (dos outros lotes)”.
A Justiça decidiu, em setembro, dar a posse do terreno ao governo, condicionando o pagamento de cerca de R$ 6,8 milhões à massa falida da Efficient Lighting Products e Companhia de Lâmpadas, atual dona da área.
Sobre a questão ambiental, a juíza Caroline Rossy Brandão Fonseca afirmou que “eventual impacto ambiental na região merecerá necessária e providencial atuação do Ministério Público por via própria”.
A juíza também afirmou, em sua decisão, que “ainda em relação à referida comunidade, é notória e publicamente conhecida a situação de degradação e ausência de efetiva atuação do Poder Público na região, sendo certo que, a destinação do imóvel para a realização do projeto denominado ‘programa Cidade Integrada’, trarão avanço social, maior assistência pública e melhor desenvolvimento humano aos moradores da referida região, não havendo dúvida acerca da urgência e o notório interesse público”.
Mesmo após três meses de ter vencido a briga judicial, as obras seguem sem data prevista para início. Em nota, o governo afirmou que “a etapa de topografia e sondagem do terreno já foi concluída. Neste momento, está sendo realizada a preparação da licitação das obras de demolição das antigas construções”.
O governo fluminense disse ainda que as obras serão feitas pela Empresa de Obras Públicas do Estado do Rio de Janeiro e os projetos para a construção dos equipamentos ficarão com a equipe técnica do Programa Cidade Integrada.
O Cidade Integrada também atua nas comunidades do Jacarezinho, Manguinhos, Corredor Itanhangá, Rio das Pedras, Cesarão e Pavao-Pavãozinho e Cantagalo. A assessoria do governo informou que não tem o valor total investido no programa.
GOVERNO DIZ QUE AVANÇA, MORADORES RECLAMAM
Outros projetos foram anunciados pelo governo para o Cidade Integrada, mas moradores afirmaram que pouco foi feito entre as promessas para a região.
Entre elas está a despoluição do rio Salgado, com total limpeza, canalização e remoção de casas que foram erguidas na margem. Um morador disse, porém, que a sujeira ainda é volumosa e que não foram realizadas as obras de canalização. Foram investidos recursos na licitação do Rio Jacaré e Salgado na ordem de 140 milhões.
Em nota, o governo afirmou que retirou 8.000 toneladas de sujeira das águas. O número é o mesmo citado pela assessoria do Palácio Guanabara, sede do governo do Rio, em nota posicionamento de maio de 2022.
Sem querer se identificar, uma moradora disse que entre as melhorias percebidas está a instalação de um posto de atendimento médico de urgência e de uma sala de cinema, com exibição gratuita de filmes.
O governo apontou o que considerou como melhorias para a favela. Entre elas, além do cinema e da instalação da unidade médica, estão “parceria com o Programa Lei Seca para levar jovens ao Cristo Redentor e palestras sobre direção segura no trânsito; parceria para oferta de vagas de emprego para jovens aprendizes e estágios remunerados nas comunidades em que o Cidade Integrada atua; doação de livros; e realização de eventos com emissão de documentos”.
Além disso, o governo contabilizou como positivos projetos culturais, como rodas de leitura, palestras sobre empoderamento feminino, embelezamento, corte de cabelo, apresentação de orquestras, dança, teatro, atividades para crianças, entre outras ações e distribuição de cestas básicas.
Uma outra moradora disse que teve problemas em receber o pagamento prometido pelo governo no Projeto Besouro, que qualificaria mulheres para o mercado de trabalho com ajuda de R$ 300. Ela conta que somente após um protesto na comunidade conseguiu o valor.
Segundo Daniel Hirata, especialista em Segurança Pública da UFF (Universidade Federal Fluminense), “o programa Cidade Integrado foi lançado às vésperas da eleição do ano passado e nunca houve um desenho de políticas públicas que sustentasse as suas ações, ou seja, não foi apresentado um diagnóstico que justificasse, por exemplo, os locais de implementação”.
Ainda segundo Hirata, não foram apresentados indicadores ou metas, parâmetros que pudessem atuar de forma avaliativa sobre o programa.
“Trata-se de uma ação de comunicacional datada para aquele momento do ano passado e que realmente tende a se perder no conjunto de ações pontuais que vão sendo feitas ao longo desses anos de forma mais ou menos improvisada e sempre ao toque das conjunturas e das situações de crise que aparecem de forma bastante recorrente no Rio de Janeiro”, disse o pesquisador.
BRUNA FANTTI / Folhapress