Ação em que ex-mulher acusa Lira de agressão é pública e foi arquivada pelo STF em 2015

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Presente em reportagens censuradas pelo ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes, a acusação contra o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), por suposta agressão consta de ação penal pública que foi arquivada pela Segunda Turma do tribunal em setembro de 2015.

A ação tem como objeto afirmações de Jullyene Lins, ex-mulher do parlamentar. Diversos conteúdos relacionados ao caso têm sido bloqueados por decisão de Moraes, que, nesta quarta-feira (19), voltou atrás em relação a materiais jornalísticos.

O processo contra Lira foi aberto após denúncia apresentada em março de 2012 pelo Ministério Público Federal contra o deputado pelos crimes de ameaça e lesão corporal no âmbito de violência doméstica.

A acusação foi recebida pela corte em dezembro do ano seguinte, mas, após análise, o caso foi considerado prescrito e improcedente.

Na época, prevaleceu entendimento do ministro Teori Zavascki.

Relator da ação, ele afirmou que a suposta ameaça teria ocorrido em julho de 2007 e, por isso, eventual crime estava prescrito desde julho de 2009.

Em relação à suposta lesão corporal, ele observou que a denúncia havia sido oferecida com base no laudo do exame de corpo de delito e, principalmente, nas declarações da vítima e de testemunhas prestadas perante a autoridade policial.

Afirmou, porém, que a vítima, quando ouvida em juízo, “mudou substancialmente a sua versão dos fatos e alegou que não foi agredida pelo acusado”.

“As controvertidas versões apresentadas pela vítima e pelas demais testemunhas na fase policial e na instrução judicial demonstram a precariedade da prova produzida, a qual em sua essência só se presta a comprovar a discussão ocorrida entre a vítima e o acusado”, disse Teori.

Ele acrescentou que, para condenação no processo penal, “é necessário um juízo de certeza amparado por prova inequívoca da existência do fato narrado e de que o réu tenha praticado a conduta criminosa”.

Na ocasião, a defesa do deputado, feita pelo advogado Marcelo Leal de Lima Oliveira, disse que não foi produzida qualquer prova e defendeu a abertura de inquérito pelo crime de denunciação caluniosa contra a ex-mulher do parlamentar.

Jullyene foi casada por dez anos com o deputado, com quem tem dois filhos.

Em entrevista à Folha de S.Paulo em 2021, cujo vídeo foi inicialmente censurado por Moraes, ela chorou quatro vezes e mostrou deformações no abdômen causadas pelas supostas agressões da época. Em outubro de 2020, havia solicitado à Justiça de Alagoas medidas protetivas contra o deputado.

“Me agrediu, me desferiu murro, soco, pontapé, me esganou”, disse. “Ele me disse que onde não há corpo, não há crime, que ‘eu posso fazer qualquer coisa com você’.”

Ela afirmou ainda ter sido usada como laranja. “Ele abriu uma empresa com meu nome e até hoje não tenho vida fiscal.”

A reportagem na época procurou Lira, que, em nota assinada por seu advogado, afirmou que o conteúdo das declarações de sua ex-mulher era “requentado” e que ele havia sido absolvido das acusações dela pelo STF. As declarações de Lira foram contempladas nos conteúdos divulgados pela Folha de S.Paulo.

Ao atender na terça-feira a pedido do parlamentar e determinar a remoção do vídeo da Folha de S.Paulo com a entrevista de Jullyene, além de outro produzido pela Mídia Ninja, uma reportagem do portal Terra e outra do Brasil de Fato, Moraes replicou o conteúdo de outras determinações suas voltadas a perfis de influenciadores bolsonaristas.

Afirmou não ser permitida “a utilização da liberdade de expressão como escudo protetivo para a prática de discursos de ódio, antidemocráticos, ameaças, agressões, infrações penais e toda a sorte de atividades ilícitas”.

Nesta quarta-feira (19), ele justificou mudança de entendimento ao recuar da decisão e determinar a volta imediata dos conteúdos.

Afirmou que, inicialmente, havia considerado necessário o bloqueio dos perfis indicados na decisão “por visualizar suposto abuso no exercício de um direito, com ferimento a honra, intimidade, privacidade e dignidade”.

Depois, escreveu, “informações obtidas após a realização dos bloqueios” mostraram que algumas das páginas bloqueadas são reportagens jornalísticas já veiculadas anteriormente, não podendo, portanto, serem consideradas como “pertencentes a um novo movimento em curso, claramente coordenado e orgânico, e nova replicagem, de forma circular, desse mesmíssimo conteúdo ofensivo e inverídico”.

HÁ 5 ANOS MORAES, CENSUROU REVISTA CRUSOÉ

A ordem de remoção de conteúdos jornalísticos envolvendo as acusações da ex-mulher de Lira ao parlamentar ocorre cinco anos após outro caso emblemático de censura envolvendo Moraes.

Em 2019, ele determinou que a revista Crusoé e o site O Antagonista retirassem do ar textos sobre menção ao também ministro do STF Dias Toffoli feita em um email do empresário e delator Marcelo Odebrecht, investigado no âmbito da Operação Lava Jato. Na época, Toffoli era o presidente da corte.

Na decisão, o ministro determinou ainda que os responsáveis pelos veículos prestassem depoimento em até 72 horas.

A determinação foi dada no âmbito de um inquérito para apurar fake news e mensagens contra a honra de membros do Supremo.

O inquérito foi aberto por Toffoli de forma atípica: usualmente, a instauração depende de pedido do Ministério Público, o que não houve nesse caso; além disso, Moraes foi escolhido relator por Toffoli, e não sorteado pelo sistema do STF.

A reportagem trazia declarações de Marcelo à Polícia Federal sobre menções encontradas em seus emails pelos investigadores.

A que supostamente fazia referência a Toffoli o chamava de “amigo do amigo do meu pai”. Na época em que o email foi enviado, em 2007, o magistrado atuava na AGU (Advocacia-Geral da União) do governo Lula (PT). Não havia na mensagem citação a pagamentos.

Segundo Odebrecht à época, a mensagem fazia referência a tratativas entre a empreiteira e a AGU sobre temas envolvendo as hidrelétricas do rio Madeira, em Rondônia.

A decisão de Moraes teve repercussão negativa dentro do próprio tribunal. Em carta pública, o então decano da corte, ministro Celso de Mello, afirmou que o impedimento à circulação de informações era ilegítimo intolerável.

Horas depois, Moraes recuou e revogou a decisão. Ele justificou que havia sido comprovado que o documento publicado pela Crusoé, com menção a Toffoli, “realmente existe”.

Ao determinar a derrubada do conteúdo, o ministro refutou a pretensão de restringir a liberdade de expressão e argumentou que a PGR havia negado anteriormente ter recebido o material citado pela revista. Por isso, na avaliação do ministro, a informação publicada até então era falsa. Ele disse ter revisto a decisão com o envio do material no início da noite daquele dia à Procuradoria.

CONSTANÇA REZENDE / Folhapress

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