SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A decisão que tornou Donald Trump inelegível no Colorado foi inédita. Mas há 34 ações semelhantes ajuizadas contra o ex-presidente em outros 32 estados americanos. Cinco já foram consideradas improcedentes pela Justiça, mas 14 ainda aguardam decisões de Supremas Cortes estaduais.
Na terça-feira (19), a Suprema Corte do Colorado desqualificou Trump de servir como presidente dos Estados Unidos e disse que ele não pode aparecer nas cédulas das eleições primárias do estadoque determinam quem será o candidato de cada partido devido a seu papel no ataque ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021.
O ato tornou Trump o primeiro candidato presidencial considerado inelegível para a Casa Branca com base na raramente usada 14ª Emenda da Constituição dos EUA. A cláusula proíbe autoridades que tenham participado de “insurreição ou rebelião” de ocupar cargos públicos.
A corte acatou o argumento de que a 14ª Emenda o desqualifica por insurreição por ter instigado a invasão do Capitólio, a sede do Legislativo americano, naquele que é considerado o maior ataque à democracia dos EUA na história recente.
Trump tem criticado as ações do tipo, dizendo que são tentativas “fúteis” de “grupos radicais democratas” de causar um curto-circuito na democracia ao interferir na tentativa do republicano de voltar à Casa Branca. Ele afirmou que vai recorrer da decisão do Colorado à Suprema Corte e tem até a primeira semana de janeiro para isso.
Por enquanto, das 35 ações pedindo inelegibilidade de Trump com base na seção 3 da 14ª Emenda, apenas a do Colorado foi acolhida, segundo base de dados Lawfare. Cinco foram rejeitadas, 14 aguardam decisão, autores de 12 ações desistiram voluntariamente e três processos aguardam veredictos sobre recursos.
Em Minnesota, oito eleitores entraram com uma ação pedindo a desqualificação de Trump para as primárias no estado, com base na 14ª Emenda, mas o processo foi rejeitado pela Suprema Corte estadual em 8 de novembro. No entanto, a corte afirmou que os autores podem entrar com uma nova ação após as eleições primárias republicanas, pedindo inabilitação para a eleição presidencial.
Na Flórida, uma magistrada indicada por Barack Obama rejeitou em agosto uma ação baseada na 14ª Emenda, ajuizada por um advogado e outros eleitores. A juíza Robin Rosenberg decidiu que eles não tinham legitimidade para entrar com o processo, mas não julgou o mérito da questão.
Em Michigan, quatro eleitores do estado entraram com a ação, que foi rejeitada pela Suprema Corte estadual em 14 de dezembro. Mas os autores da ação estão recorrendo.
A 14ª Emenda da Constituição dos EUA foi originalmente pensada para impedir antigos confederados, que tentaram a secessão e defendiam a manutenção da escravidão, de assumirem cargos no governo estadual ou federal depois da Guerra Civil Americana (1861-1865).
Mas, em setembro do ano passado, o mesmo grupo que moveu a ação no Colorado pediu a inelegibilidade de Couy Griffin, um comissário de um condado em Novo México, por ter participado da insurreição no Capitólio. Um juiz estadual deu ganho de causa e afastou Griffin do serviço público.
A questão é se essa interpretação da seção 3 da 14ª Emenda poderia ser aplicada para o presidente da República.
A ideia ganhou força após a publicação de um artigo, em agosto deste ano, por dois respeitados juristas conservadores. Na revista científica University of Pennsylvania Law Review, Will Baude, da Universidade de Chicago, e Michael Stokes Paulsen, da Universidade de St. Thomas, argumentam que a seção 3 “desqualifica” Trump e, potencialmente, muitos outros candidatos que desempenharam um papel na tentativa de reverter o resultado da eleição de 2020.
No entanto, outros juristas, de esquerda e de direita, questionam essa interpretação e apontam para um veredicto da Suprema Corte em 1869 que determina que apenas o Congresso pode tomar a decisão de inabilitar o candidato à Presidência. Os defensores da tese dizem que não ter se envolvido em rebelião ou insurreição é um pré-requisito para concorrer à Casa Branca, do mesmo jeito que a idade mínima de 35 anos.
Os advogados de Trump defendem que o Congresso é que define como se aplica a seção 3, que os ataques ao Capitólio não configuram insurreição e que a 14ª Emenda não se aplica ao presidente, que não é citado no texto constitucional.
Caso a Suprema Corte decida que a decisão do Colorado é válida, isso poderá alterar os rumos da eleição do próximo ano, a ser realizada em novembro. Trump se mostra até aqui o principal nome do Partido Republicano para disputar a Presidência contra o democrata Joe Biden, que tentará a reeleição.
Mas analistas acham altamente improvável que a Suprema Corte, de maioria conservadora construída pelo próprio Trump, tome uma decisão ousada de interpretação de uma lei e fique vulnerável a acusações de interferência nas eleições.
PATRÍCIA CAMPOS MELLO / Folhapress