BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Pivôs do “meteoro” de sentenças judiciais que atingiu as contas públicas entre 2021 e 2022, as ações envolvendo valores do Fundef (antigo fundo de desenvolvimento da educação) estão prestes a ser encerradas por meio de um acordo que evita perdas maiores para a União.
A AGU (Advocacia-Geral da União) já fechou duas negociações e prevê encerrar a disputa com todos os dez estados que ainda questionavam o tema no STF (Supremo Tribunal Federal).
O desembolso total deve ficar em cerca de R$ 9 bilhões menos de um terço dos R$ 30 bilhões adicionais que a União arriscava perder com a continuidade das ações. A maior parte dos beneficiados está nas regiões Norte e Nordeste, redutos eleitorais do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
“Os acordos darão mais previsibilidade ao Orçamento, uma vez que os débitos serão nele fixados conforme critérios conhecidos e transparentes”, diz a AGU.
Os valores ligados ao Fundef foram o principal fator por trás da explosão de gastos com precatórios (condenações judiciais definitivas, sem possibilidade de recurso) na proposta de Orçamento de 2022.
A União foi condenada em 2017 a complementar os repasses feitos à educação de 1998 a 2007 por meio do Fundef (antecessor do Fundeb, atual fundo de apoio à educação básica). O STF decidiu que o valor mínimo por aluno destinado aos estados não poderia ser inferior à média nacional.
A forma de cálculo da diferença, porém, virou alvo de controvérsia. Os primeiros precatórios só foram emitidos em 2021, para pagamento em 2022 ano eleitoral.
Foi nesse contexto que, no fim de julho de 2021, o então ministro Paulo Guedes (Economia) disse que o governo precisava se defender do “meteoro” de R$ 89 bilhões em precatórios, que ameaçava a continuidade de políticas públicas.
A fatura dessas dívidas cresceu 62,6% em relação a 2021, quando ficaram em R$ 54,8 bilhões. As ações do Fundef responderam por ao menos R$ 16,6 bilhões dessa expansão, considerando apenas os precatórios emitidos pelo STF.
O pagamento integral das sentenças consumiria o espaço que havia no Orçamento de 2022 para ampliar o Bolsa Família (que seria rebatizado de Auxílio Brasil) às vésperas das eleições, como planejava o então presidente Jair Bolsonaro (PL).
À época, Guedes chegou a insinuar que o STF emitiu os precatórios em retaliação ao governo, que mantinha uma relação belicosa com a corte. No entanto, a própria AGU vinha emitindo alertas desde o fim de 2020 sobre a alta probabilidade de a fatura finalmente chegar ao Executivo.
A solução encontrada pelo governo Bolsonaro e aprovada pelo Congresso Nacional foi fixar um teto para o pagamento dos precatórios, adiando boa parte dessas obrigações para os anos seguintes. A medida ficou conhecida como PEC (proposta de emenda à Constituição) do Calote.
A iniciativa também previu o parcelamento das sentenças ligadas ao Fundef, com pagamento de 40% no primeiro ano e 30% no segundo e no terceiro ano.
Em 2022, o Executivo quitou R$ 7,97 bilhões em precatórios do Fundef, segundo dados do Painel do Orçamento. Outros R$ 7,1 bilhões foram pagos neste ano.
A proposta de Orçamento de 2024 prevê mais R$ 12,2 bilhões para honrar obrigações ligadas a essas ações, o que inclui novos precatórios emitidos após 2021.
Mesmo depois de todos esses pagamentos, o governo ainda enfrenta uma série de outras ações movidas por estados no STF e por municípios em diferentes instâncias judiciais, questionando os valores a serem repassados. São essas que a AGU pretende, agora, encerrar por meio das negociações.
As tratativas não interferem nos precatórios já emitidos e que vêm sendo pagos de maneira parcelada, mas atenuam as perdas bilionárias adicionais que a União ainda poderia sofrer nos próximos anos.
Rio Grande do Norte e Ceará já fecharam seus acordos com a AGU. Os estados vão receber R$ 593 milhões e R$ 898,6 milhões, respectivamente.
Os termos foram assinados pelos governadores Fátima Bezerra (Rio Grande do Norte) e Elmano de Freitas (Ceará) em cerimônias separadas, ambas com a presença dos ministros Jorge Messias (AGU) e Camilo Santana (Educação).
O governo ainda espera concluir as tratativas com outros oito estados: Alagoas, Amazonas, Bahia, Maranhão, Minas Gerais, Pará, Pernambuco e Sergipe.
A AGU não detalhou quanto cada um deles deve receber, sob a alegação de que “as propostas ainda estão passando por análise dos entes e podem sofrer alterações”.
Os estados que aceitarem o acordo deverão destinar 60% do montante ao pagamento de um abono único aos profissionais do magistério, inclusive aposentados e pensionistas.
Há ainda ações propostas por municípios que tramitam em outras instâncias judiciais, para as quais o governo também fez propostas de negociação.
A AGU diz já ter concluído 27 acordos entre União e municípios envolvendo repasses do Fundef. Eles já foram homologados pela Justiça fora do âmbito do STF e resultaram no pagamento de R$ 535 milhões.
Segundo o órgão, os pagamentos serão feitos de acordo com a regra vigente na data de expedição dos precatórios. Isso significa que os valores poderão ser parcelados em três anos, conforme previsto na PEC do Calote, ou pagos à vista, caso o STF dê sinal verde à proposta levada pelo Ministério da Fazenda para despedalar as sentenças judiciais.
Como mostrou a Folha, o governo Lula quer que o STF declare a inconstitucionalidade da PEC, derrube o teto para precatórios e permita a regularização dos valores adiados por meio da abertura de um crédito extraordinário livre do alcance de regras fiscais, como o novo arcabouço que limita despesas e a meta de resultado primário.
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ENTENDA OS ACORDOS DO FUNDEF
O que são precatórios?
São valores devidos pela administração pública após condenação definitiva na Justiça, sem possibilidade de recurso.
O que foi o Fundef?
O Fundef era o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério, que vigorou entre 1997 e 2006. Em 2007, ele foi substituído pelo atual Fundeb, fundo voltado ao financiamento da educação básica.
Do que se tratam as ações judiciais?
Estados e municípios reclamaram na Justiça o direito de receber um valor maior de repasse por aluno por meio do Fundef de 1998 a 2007, quando ele foi substituído pelo Fundeb.
Em 2017, o STF condenou a União a complementar a verba repassada ao Fundef, por entender que o valor mínimo repassado por aluno em cada unidade da federação não poderia ser inferior à média nacional. A forma de cálculo, porém, foi alvo de grande controvérsia entre os governos regionais e a União.
Em 2021, a Suprema Corte emitiu os primeiros precatórios do Fundef, obrigando o governo federal a incluir no Orçamento de 2022 uma fatura de pelo menos R$ 16,6 bilhões a ser paga a sete estados o valor não inclui decisões favoráveis a municípios.
Como a União decidiu pagar os precatórios?
A forte expansão nos gastos com sentenças levou o então governo Jair Bolsonaro (PL) a propor o teto para precatórios, por meio da medida que ficou conhecida como PEC do Calote. Os precatórios do Fundef, por sua vez, ganharam uma regra especial de parcelamento: 40% do valor no primeiro ano duas parcelas de 30% no segundo e no terceiro ano.
Por que a AGU decidiu negociar os acordos?
Apesar de já ter realizado pagamentos expressivos, a União ainda era alvo de ações em andamento sobre o Fundef no STF e em outras instâncias judiciais. Só no STF, as ações movidas por estados podiam impor uma perda adicional de até R$ 30 bilhões. Os acordos encerram a disputa mediante o pagamento de um valor menor, de cerca de R$ 9 bilhões.
Como os acordos serão pagos?
Os valores serão repassados conforme a regra em vigor. Isso significa efetuar o pagamento parcelado, ou quitar os montantes à vista caso o STF dê sinal verde à proposta do Ministério da Fazenda de regularizar o fluxo dos precatórios, desfazendo as mudanças da PEC do Calote.
IDIANA TOMAZELLI / Folhapress