BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O acordo comercial entre a União Europeia e o Mercosul “está muito vivo” apesar das declarações contrárias de líderes como o presidente da França, Emmanuel Macron, e ao menos 95% de todo o processo está concluído, disse à Folha de S.Paulo o negociador-chefe da UE, Rupert Schlegelmilch.
O negociador realiza uma série de reuniões no Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai para fazer o que ele chama de “lição de casa”: ter as negociações técnicas prontas caso uma janela de oportunidade política se abra e permita avançar com a tramitação do acordo.
“O acordo está muito vivo. O fato é que a Comissão [Europeia, Poder Executivo da UE] continua a negociar. Temos um mandato de todos os estados-membros, inclusive da França, para fazer isso. Quando tivermos concluído as negociações, vamos reportar ao Parlamento e aos estados-membros, que vão opinar. Mas é a Comissão que está negociando e os estados-membros esperam que entreguemos um pacote no final, que então será analisado”, afirma.
Um entendimento preliminar foi alcançado em 2019 entre os países do Mercosul e a UE para o estabelecimento do que seria o maior tratado de livre comércio do mundo: abarcando uma área com cerca de 780 milhões de pessoas.
Desde então, a tramitação das etapas necessárias para tirar o tratado do papel tem se arrastado. Primeiro, por preocupações do lado da Europa em relação à política antiambiental do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Depois, por demandas do governo Lula (PT) pela renegociação de determinados aspectos do acordo e pela mudança de governo na Argentina; e, por fim, pela oposição liderada por Macron.
“O acordo está quase concluído. Tivemos um entendimento completo em 2019, estamos apenas negociando alguns temas adicionais. Então, 95% ou mais de todo o processo está finalizado. Mas algumas questões são complicadas, porque envolvem temas como desmatamento. Mas devemos usar nosso tempo para estarmos prontos quando a janela política se abrir de novo. Serei muito honesto: neste momento, diante das eleições [para o Parlamento Europeu] e os produtores rurais nas ruas em vários locais da Europa, simplesmente não é um bom momento. Então precisamos esperar que as eleições [europeias] terminem”, diz Schlegelmilch.
“Mas precisamos estar prontos porque, se a janela abrir, o dever de casa precisa estar pronto. A filosofia agora é essa. Ninguém sabe quem será o novo presidente da Comissão [que será formada após as eleições europeias], qual será o resultado das eleições. Mas não queremos estar numa situação em que porventura o acordo seja acelerado após as eleições e nada tenha ocorrido [no nível técnico] nesse meio tempo.”
De acordo com o negociador, o governo Lula tem ganhado crédito com os europeus por endereçar a questão ambiental com seriedade. Hoje, diz Schlegelmilch, o maior empecilho são as políticas agrícolas, embora elas muitas vezes sejam usadas como “bode expiatório” e haja “desinformação” no debate.
“[Os produtores rurais europeus] gostariam de ter um pouco mais de proteção porque sabem que o setor agrícola em outras partes do mundo, não só no Brasil, algumas vezes é mais competitivo. O argumento que eles [agricultores] não querem ouvir é que exatamente por isso temos uma política agrícola comum que apoia esse setor massivamente com algo em torno de 40 a 50 bilhões de euros [entre R$ 220 bilhões e R$ 270 bilhões] todos os anos”, diz.
“Então, existe um mecanismo que garante que seguiremos competitivos, e a abertura de mercado em todos os nossos acordos, em um setor como o de carne, não chega a 5% do consumo”, acrescenta.
O negociador da UE nega que o acordo possa desestabilizar massivamente os mercados europeus e afirma que os potenciais efeitos negativos são pequenos se comparados ao apoio oferecido aos produtores locais. “Até prometemos aos nossos agricultores mais apoio se houver disrupção”, afirma.
O europeu também contesta o discurso de que o tratado em negociação entre a UE e o Mercosul não é moderno porque começou a ser discutido há mais de duas décadas. “Nós atualizamos o acordo toda vez. Então, ele está no mais alto padrão, tão bom quanto o acordo com o Canadá que todo mundo ama. Quase todo mundo ama. Até Macron ama”, afirma.
Ao se colocar contra o acordo UE-Mercosul, o presidente da França chamou o tratado de “antiquado”, “contraditório” e “péssimo”.
Ao lado de Lula, em sua visita ao Brasil em março, Macron voltou a demonstrar resistência aos termos do tratado e disse que foram feitas alterações sobre “algo que é muito velho” e que ele precisaria ser reconstruído. “Nós somos loucos de continuar nesta lógica de acordo e, em paralelo, fazer grandes reuniões como G20 e COP para dizer que vamos fazer grandes coisas pelo clima e pela biodiversidade”, disse o francês, na ocasião.
Schlegelmilch, por sua vez, rejeita essa linha de argumentação e considera o acordo “muito progressista”. “Diria que o acordo é moderno, atualizado […] É o que temos de mais avançado sobre questões como direitos trabalhistas, proteção ambiental e assim por diante”, reforça.
RICARDO DELLA COLETTA E NATHALIA GARCIA / Folhapress