SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Uma semana depois do assassinato em um atentado do chefe político do Hamas, o grupo terrorista palestino anunciou ter escolhido como substituto para a função Yahya Sinwar, 61, mais conhecido como “o açougueiro de Khan Yunis”.
É uma referência dupla à sua cidade de origem, na Faixa de Gaza, e à fama de ser extremamente violento e radicalizado. Ele foi, ao lado do líder militar Mohammed Deif, morto em um ataque israelense em julho, o arquiteto do atentado de 7 de outubro do ano passado, que levou à guerra atual na região.
Sinwar tem grande influência, até por ter ficado em Gaza em condições adversas, enquanto seu antecessor, Ismail Haniyeh, cultivava uma fama relativamente mais moderada e vivia no exílio no Qatar.
Na prática, o palestino morto em Teerã na madrugada de quarta (31) era o principal chefe da organização que comanda Gaza desde 2007. Sinwar derrotou, na disputa interna, Khaled Mashal, que foi chefe político, mas com menos poder, antes de Haniyeh.
É uma vitória para o Irã. Apesar de diversos relatos de que a liderança da teocracia em Teerã ficou contrariada com o 7 de outubro, por não ter sido informada de seus detalhes, ele está mais alinhado aos aiatolás e constantemente faz elogios públicos aos aliados.
Mashal, por sua vez, é visto como uma figura mais próxima por outro aliado do Hamas, a Turquia, país onde alguns dos membros de seu politburo, a cúpula política, moram. A escolha foi feita pelo colegiado, que tem 15 assentos, em consulta com a nebulosa shura (conselho) do Hamas.
Uma liderança radicalizada é essencial para o Irã no grave momento em que são decididos os detalhes sobre como a teocracia e seus aliados libaneses do Hezbollah, todos apoiadores do Hamas, vão retaliar Israel devido à morte de Haniyeh e de um comandante da milícia xiita.
Sinwar começou a frequentar prisões israelenses em 1982. Ingressou no Hamas no ano de fundação do grupo, 1987, e passou ganhou fama por ser especialmente duro não só nos ataques terroristas contra o Estado judeu, mas também naquilo que considerava ser correto implantar como disciplina teocrática islâmica entre os seus.
Acabou condenado por quatro mortes em 1989, pegando prisão perpétua. Mostrou-se muito capacitado, falando hebraico fluente, o que lhe valeu boa vontade no tratamento e cirurgia de um câncer no cérebro. Em 2011, foi incluído na maior troca de prisioneiros da história israelense, quando mais de mil palestinos presos foram soltos pela liberdade do soldado Gilad Shalit.
Observadores dizem que Sinwar foi o responsável pela aproximação tática do Hamas com o governo de Binyamin Netanyahu, convencendo o premiê em 2018 de que estava cansado de guerrear e preferia focar na gestão de Gaza. Israel viu nisso uma oportunidade de dividir ainda mais a liderança palestina e deu carta-branca para a entrada de recursos, que ao fim serviram para comprar armas usadas no 7 de outubro.
Sinwar assume um grupo destroçado, com várias de suas lideranças operacionais e políticas mortas. Como irá tocar a negociação pelos mais de cem reféns ainda em mãos do Hamas, um número incerto deles morto, é uma questão importante, mas que no momento está suplantada pelo risco de uma guerra regional.
O novo líder discordava das conversas conduzidas pelo antecessor, segundo os sempre obscuros relatos da política palestina. Segundo a mídia israelense, ele só não foi morto ainda porque vive cercado por reféns em esconderijos de Gaza.
CAÇAS DE ISRAEL SOBREVOAM BEIRUTE
Caças de Israel levaram pânico a Beirute nesta terça (6), quando ao menos quatro aviões quebraram a barreira do som sobre a capital libanesa em três ocasiões. Moradores buscaram abrigo, mas não houve danos relatados.
A intimidação, com uma manobra rara à luz do dia sobre a cidade, veio pouco antes de o líder do grupo fundamentalista Hezbollah, xeque Hassan Nasrallah, proferir um discurso sobre a crise que ameaça envolver todo o Oriente Médio.
O grupo havia lançado drones contra o norte de Israel pela manhã, e avisou que eles eram apenas um aperitivo para o grande ataque que pretende fazer de forma coordenada com seus patronos iranianos.
Apoiadores do Hamas na guerra de Israel contra o grupo terrorista palestino, Hezbollah e Teerã buscam vingar-se de assassinatos ocorridos na semana passada. O Estado judeu matou, em um ataque aéreo contra o sul de Beirute na semana passada, o principal comandante operacional da agremiação libanesa.
Poucas horas depois, um ataque que Israel não negou ter cometido em Teerã matou o líder político do Hamas, Ismail Haniyeh. As ações foram respondidas com a promessa de um ataque maciço para punir Tel Aviv, e aliados de lado a lado correm para tentar demover os rivais de acenderem o pavio de uma guerra ampla regional.
Israel e Hezbollah não se enfrentam numa guerra aberta desde 2006, quando o conflito acabou num empate. Agora, Tel Aviv quer a retirada do grupo de uma grande faixa do sul libanês, como prevê uma resolução da ONU, para proteger as populações do norte israelense de ataques.
Já o Irã só atacou diretamente Israel uma vez, em abril deste ano, quando a maioria de seus mísseis e drones foi derrubada em uma ação coordenada pelo Estado judeu, EUA, aliados como Reino Unido e França, além de países árabes como os Emirados, a Arábia Saudita e a Jordânia.
Os EUA temem que o ataque iraniano e do Hezbollah venha rapidamente, mas Teerã pediu uma reunião da Organização de Cooperação Islâmica em Jedá, na Arábia Saudita, para discutir o tema nesta quarta (7).
No Iraque, dois militares americanos foram feridos em um ataque com foguetes de grupos pró-Irã do país árabe, num lembrete das ramificações regionais que a crise tem. No mar Vermelho, rebeldes houthis bancados pelos aiatolás promovem uma campanha contra navios ocidentais e israelenses.
A Rússia, segundo relatos colhidos pela agência Reuters, pediu para que seus aliados iranianos meçam a resposta e evitem a morte de civis no seu ataque, buscando dar um tom pontual a ele. Mas o risco colocado de perda de controle da situação é grande.
A linha-dura israelense quer aproveitar um eventual ataque para destruir o programa nuclear iraniano, que vê como ameaça existencial, ainda que o Estado judeu tenha cerca de 90 bomba atômicas à disposição. O desafio hoje para Teerã é mostrar força doméstica e, ao mesmo tempo, evitar um suicídio militar potencial.
IGOR GIELOW / Folhapress