CURITIBA, PR (FOLHAPRESS) – A cachorrinha Inuchan é uma figura assídua das festas fetichistas de Belo Horizonte (MG). A “pet”, que se apresenta de coleira e guia em performances públicas, é a persona erótica de uma professora de inglês de 39 anos, que, há 15, passou a integrar o BDSM (acrônimo para Bondage, Disciplina, Dominação, Submissão, Sadismo e Masoquismo).
A prática de interpretar animais dentro do movimento é conhecida como pet play. Os personagens podem ser gatos, cachorros, porcos, coelhos ou qualquer outro bicho, desde que estejam em um contexto de submissão, o que pode ou não envolver sexo. A professora de inglês, por exemplo, é assexual e diz ter buscado o BDSM pela possibilidade de viver uma fantasia compartilhada e explorar sensações.
Inuchan, que integra uma rede de apoio de adeptos chamada Irmandade da Coleira, se apresenta em festas e bares, mas também faz encenações privadas com as “donas” Luna e Ariel, quase sempre envolvendo shibari, técnica japonesa de amarração com cordas, muito presente na cena erótica. Às vezes a “vaquinha” Miushichan também dá as caras nas encenações. Para comemorar o Dia Internacional do BDSM, nesta segunda-feira (24), ela se apresentou na festa Lascive Noir, que ocorreu no último sábado (22), na capital mineira.
Em horário comercial, a professora leva uma vida comum, mas há quem interprete animais 24 horas por dia, sete dias por semana.
“A principal condição para isso é a relação ser sã, segura e consensual, seguindo os princípios do movimento”, diz Ada, 35, apresentadora do podcast “Chicotadas”, de Curitiba, que aborda o tema e oferece orientações à comunidade BDSM nas redes sociais.
Segundo ela, seja em cenas pontuais ou em período integral, todos os envolvidos devem ter 18 anos ou mais e cada detalhe precisa ser alinhado previamente: em que partes do corpo a pessoa consente que toquem ou não; quais práticas fetichistas são ou não aceitas; além de uma palavra de segurança, acionada quando o praticante chega ao seu limite e precisa sair do papel.
“Qualquer proposta que fuja a essas normas não é BDSM, é cilada”, diz.
A relação pet play pode se estabelecer entre parceiros fixos (em relacionamentos abertos ou fechados), mas também por contratos remunerados. Estudante de psicologia, Rum Rabelo, 27, atua como dominatrix e atende quatro pets fixos, escolhidos por um formulário online.
“Embora o vínculo seja profissional, preciso ter certeza de que a pessoa que quer me contratar tem os mesmos valores que os meus”, afirma.
Rabelo, que mora em Tubarão, interior de Santa Catarina, mantém relações afetivas à parte do universo pet play. Fora da fantasia, tem duas namoradas e diz viver com elas um relacionamento “baunilha”, termo usado para se referir a quem está fora do BDSM.
Já o matemático Hiroshi Mori, 30, de São Paulo, está na ala dos que abraçaram o pet play na relação afetiva. Ele diz ter conhecido o BDSM há dois anos por meio da ex-namorada, com quem viveu um relacionamento à distância durante a pandemia. O casal mantinha um jogo online no qual Mori se transformava em um tigre, e a parceira o apelidava de Puppy. Como sempre gostou de animais, especialmente de cachorros, começou a criar seu papel a partir daí e, há um ano, frequenta bares da comunidade fetichista paulistana, apresentando o personagem.
“Aos poucos, fui me soltando e comecei a agir como ‘doguinho’. Ficava de quatro, latia, abanava o rabinho e pedia carinho. Eu não tinha referências na época, mas sempre fui muito bem recebido e respeitado, e isso foi me dando coragem”, diz o pet player, que hoje faz performances públicas.
Acessórios não são obrigatórios durante a prática, mas ajudam a entrar no personagem. Adepta do pet play e proprietária da ChocolaStore, loja online de coleiras e chockers artesanais, Amanda, 21, diz que as opções mais procuradas são aquelas com nomes gravados ou com desenho de ossinhos.
Presto Dog, 38, também de São Paulo, costuma usar máscaras nos eventos em que se apresenta e interage com outros dog players. Mesmo solteiro e sem um “treinador” ou parceiro para sessões, faz suas performances em cenas esporádicas ou festas temáticas.
Uma das mais conhecidas de São Paulo é a da boate Eagle, voltada a homens gays, que promove um concurso anual de dog play em uma votação online. Segundo Rudson Rezende, 43, um dos realizadores do evento, a comunidade frequentemente é vinculada ao “leather”, vertente fetichista associada a itens de couro.
“A mistura entre esses grupos ajuda a fortalecer a comunidade. Pet play pode ser sexo, fetiche, brincadeira, mas também rede de apoio”, diz o empresário.
LIVIA INÁCIO / Folhapress