SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Sou rainha do meu tanque/ Sou Pagu indignada no palanque.”
Rita Lee e Zélia Duncan gravaram esses versos na memória coletiva bem antes de a Festa Literária Internacional de Paraty homenagear a mulher que dá nome à canção, Pagu, na edição que começa na semana que vem. Mas quem comparecer à celebração de Patrícia Galvão no litoral do Rio de Janeiro vai escutar essa música na voz de outra das maiores cantoras brasileiras.
Adriana Calcanhotto vai abrir a festa, na próxima quarta, com uma celebração musical de Pagu e Augusto de Campos, os grandes homenageados deste ano, ligados a nomes como Rita, Gal Costa e Elza Soares, cantoras que perdemos no último biênio e são representativas da mesma insubmissão que caracterizava a autora de “Parque Industrial”.
Será uma apresentação única e pensada especialmente para a Flip, com participação de Cid Campos, filho de Augusto e responsável por musicar diversos de seus poemas e traduções, alguns deles contidos na nova antologia “Viva Vaia” que a Ateliê Editorial publica durante a festa.
O show, que será aberto no auditório da praça do centro histórico de Paraty logo após a mesa de abertura com Adriana Armony e David Jackson, terá projeção de imagens e vídeos concebidos por Omar Salomão e Emílio Rangel.
A ideia é conectar o espírito de diversas mulheres que simbolizaram rupturas inconformadas e indóceis com sua época entre elas, até mesmo a americana Emily Dickinson, traduzida por Augusto de Campos em poemas musicados por Cid.
“São interligações entre diversas mulheres que me formaram, das quais eu sou uma espécie de elo”, afirma Calcanhotto em entrevista.
A cantora, que tem um lado acadêmico aflorado e vem de uma temporada como professora na Universidade de Coimbra, em Portugal, foi convidada pela curadoria da Flip para pensar um repertório especial para o show.
É uma apresentação, segundo a professora e pesquisadora Milena Britto, que evidencia a razão de ser da proposta curatorial desse ano uma demonstração de como Pagu deixou suas digitais não apenas na literatura, mas na cultura como um todo e numa postura própria diante do mundo.
Britto volta a assinar a curadoria da festa deste ano com a editora Fernanda Bastos, pondo em destaque outra escritora que teve seus traços apagados pela história após a homenagem a Maria Firmina dos Reis na edição de 2022.
Calcanhotto lembra que entrou em contato com a obra de Pagu e Campos ao mesmo tempo ele realizou uma espécie de biografia bastante aclamada da autora há cerca de duas décadas. Foi um desdobramento do interesse pelo modernismo que caracteriza boa parte de sua obra como compositora. “Era como se um homem tivesse dado luz a ela para mim.”
Algo particular da biografia criada por Campos, diz Salomão, é o quanto ela surge da voz da própria Galvão. “É um livro fragmentado, no qual ele bota Pagu para falar. É todo fatiado em poemas e textos dela.”
Daí a conexão com um show que, de forma similar, usará palavras de Pagu para exaltar e invocar sua presença Cid Campos também musicou alguns dos poemas da ativista, que se aproximam do estilo de Augusto em sua forma compacta.
“Ela hoje está numa posição protagonista, não mais como musa, mas como como a criadora revolucionária que foi”, afirma ele.
Era uma artista tão multifacetada, nas palavras de Calcanhotto, a ponto de “cada um ter a sua própria Pagu”. A música escrita por Rita e Zélia, que a cantora incorpora no repertório da abertura, espelha como Patrícia Galvão era mesmo um prisma de personalidades e manifestações artísticas basta ver com quantos nomes diferentes ela assinava seus textos.
Não era atriz, modelo, dançarina quem for à Flip vai ver que o buraco é mais em cima.
WALTER PORTO / Folhapress