Adversários evitam ataques, mas tragédia deve ser central em eleição de Porto Alegre

CURITIBA, PR (FOLHAPRESS) – Em vídeos publicados em suas redes sociais, políticos de espectros variados, incluindo pré-candidatos à Prefeitura de Porto Alegre, querem mostrar que estão perto da tragédia que assola o Rio Grande do Sul há quase dez dias.

Com galochas e coletes, aparecem em pequenos barcos de resgate, visitando abrigos e carregando pacote com alimentos. Às vezes acabam alvos de comentários negativos –parte do eleitorado surge para apontar oportunismo nas performances. Mas o sumiço também pode ser um problema.

“Claro que, se não é uma pessoa que já tem esse perfil mais ativo, de organização comunitária, as imagens podem parecer exageradas”, diz o cientista político e professor da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) Rodrigo Stumpf Gonzalez.

“De todo modo, a única coisa que o político não pode parecer agora é que ele está em casa tranquilo.”

Assim como em outras capitais, partidos políticos em Porto Alegre ainda testam nomes para a disputa, mas já é esperado que o tema ambiental ganhe centralidade nos debates.

O cenário eleitoral até aqui tem indicado uma eleição polarizada entre o atual mandatário, Sebastião Melo (MDB), eleito em 2020 com apoio de uma ampla aliança de centro e centro-direita, e uma representante do campo da esquerda, a deputada federal Maria do Rosário (PT).

Em 2020, o PT apoiou a candidata Manuela d’Ávila (PC do B), derrotada por Melo no segundo turno.

Outros nomes ainda circulam como possibilidades para a disputa, que começa a ganhar corpo em julho, com o início das convenções partidárias. Entre eles, estão a deputada federal Any Ortiz (Cidadania), o deputado estadual Dr. Thiago Duarte (União Brasil) e a vereadora Comandante Nádia (PP).

“Com a catástrofe, o atual prefeito aparece mais na mídia agora, enquanto os demais lutam para ter algum espaço. Mas isso pode ser um benefício ou um prejuízo para Melo, que depois pode emergir como herói ou culpado”, avalia Gonzalez.

Poucos dias antes das cheias no Rio Grande do Sul, o prefeito estava sendo cobrado pelos opositores por conta de um incêndio em uma pousada no centro da cidade que tinha parceria com a prefeitura para receber pessoas em situação de rua.

O fogo matou dez pessoas, deixou feridos e revelou as condições precárias dos espaços contratados pela prefeitura.

Com o agravamento das enchentes logo na sequência, pré-candidatos agora têm evitado o confronto direto com o prefeito. “Eu fiz uma ligação ao prefeito, me colocando à disposição. Numa hora assim, eu prefiro não ser aquela pessoa que procura as dificuldades”, disse Maria do Rosário ao canal ICL Notícias.

Ela também afirmou na ocasião que “os governos, todos eles, precisam se atualizar e compor um programa para mudanças climáticas”. Prometeu chamar especialistas e elaborar um programa preventivo. “Esse tema ambiental compõe a essência do trabalho que eu pretendo oferecer a Porto Alegre”, disse a pré-candidata.

De modo geral, o discurso público tem sido de união de esforços das diferentes esferas governamentais para mitigar os efeitos das inundações, que em Porto Alegre também alteraram a rotina dos edifícios da Câmara Municipal e da Assembleia Legislativa.

“Convidamos todos os 36 vereadores para diálogo sobre o enfrentamento à calamidade que assola nossa Porto Alegre. É momento de colocar as divergências políticas de lado e somar forças para seguir salvando vidas e reconstruir caminhos”, disse o prefeito e pré-candidato à reeleição.

Maria do Rosário também conduziu na semana passada uma reunião entre deputados gaúchos e ministros do governo federal petista para tratar dos estragos.

No encontro, predominou o tom de superação de diferenças políticas, com uma ou outra alfinetada. “Não adianta fazer muita reunião, gastar muita diária, vindo para o Rio Grande do Sul com tanta gente, e não liberar dinheiro para as prefeituras”, disse o deputado federal Giovani Cherini (PL) na ocasião.

A fala de Cherini irritou o ministro Paulo Pimenta (Comunicações), que, entre outros pontos, citou a decisão do governo Lula (PT) de liberação imediata de emendas parlamentares individuais para o Rio Grande do Sul.

“Espero que tenha emenda minha”, disse ele. Pimenta é deputado federal pelo Rio Grande do Sul licenciado e também tem sido presença constante nos atos do governo federal na região.

Apesar de os pré-candidatos evitarem por enquanto apontar culpados, outros atores da política local já têm aproveitado a situação para levantar temas historicamente tratados em disputas eleitorais, como o das privatizações.

Líderes sindicais acusam a gestão Melo de sucatear deliberadamente a empresa responsável pelo sistema de água e esgoto, a Dmae, com a intenção de justificar sua venda.

O Simpa (Sindicato dos Municipários de Porto Alegre) emitiu comunicado recente dizendo que há mais de sete anos denuncia “a situação de precarização e desmonte dos serviços públicos em Porto Alegre”.

Melo nega e alega que houve investimento.

Especialistas apontam que o avanço do lago Guaíba para os bairros de Porto Alegre, a partir das cheias na região norte do estado, revelou falhas nas casas de bombas, que não conseguiram expulsar a água, e vazamento nos diques.

“Se o sistema contra cheias criado há 50 anos estivesse funcionado, a cidade poderia não ter sido inundada. Certamente isso vai ser o grande debate da eleição, o investimento no sistema e os órgãos responsáveis”, diz o cientista político da UFRGS.

Para ele, a questão climática também deve ganhar centralidade na campanha eleitoral que se aproxima, na esteira da tragédia.

“De maneira geral, a questão climática sempre foi vista como uma questão macro, de responsabilidade do governo federal. Com a catástrofe, acho que isso muda um pouco. Perceberam que afeta o cotidiano”, analisa o professor, que lembra ainda o fato de as populações de áreas periféricas já sofrerem com o problema.

“As cheias em Porto Alegre não são algo inusual. A diferença agora é que atingiram bairros de classe média”, observa.

Pesquisa divulgada pela Quaest na quinta-feira (9), sobre a percepção do nível de responsabilidade do poder público na tragédia do Rio Grande do Sul, mostrou que 64% das pessoas acham que as prefeituras têm muita responsabilidade, enquanto 20% consideram que é pouca e 16%, nenhuma.

Sobre o governo federal, 59% dos entrevistados afirmam que ele tem muita responsabilidade, 24% dizem que é pouca e 17%, nenhuma.

Em relação ao governo estadual, comandado por Eduardo Leite (PSDB), 68% dos entrevistados apontam muita responsabilidade, 20% acreditam que tem pouca e 12% que não tem nenhuma. O levantamento foi encomendado pela Genial Investimentos e ouviu 2.045 pessoas entre os dias 2 e 6 de maio.

“Era um tema distante ou secundário no processo eleitoral local. Mas, agora, assim que a água baixar, as pessoas vão querer saber por que o apartamento delas inundou”, afirma o professor.

CATARINA SCORTECCI / Folhapress

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