BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A ANM (Agência Nacional de Mineração) tem em seu sistema 363 pedidos autorizados para exploração ou estudo dos recursos naturais dentro de terras indígenas (TIs) homologadas no Brasil.
Mineradoras dizem que tais registros são erro no sistema da agência. Já a ANM afirma eliminar as sobreposições dessas autorizações com TIs. A autorização em si não quer dizer que haja a exploração dentro dos territórios o que seria ilegal, mas evidencia brechas no sistema de controle oficial.
A Folha de S.Paulo cruzou as coordenadas geográficas dos requerimentos feitos à agência com as informações geográficas dos territórios disponibilizadas pela Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas).
A Vale é a empresa com mais processos para exploração dentro de territórios indígenas. A também mineradora Belo Sun vem em segundo lugar.
Todos os requerimentos são ativos e não foram consideradas concessões anuladas. Dentre eles, há autorizações para pesquisa (a maioria), concessões de lavra para mineração e permissões de lavra garimpeira, tudo dentro de territórios homologados, ou seja, terras já oficializadas como indígenas.
Mais da metade desses processos se concentra nos estados do Pará e do Mato Grosso. O minério de ouro é a substância mais procurada, e o povo mais afetado é o Kayapó.
Questionada, a Vale afirmou que pelo menos desde 2021 não tem mais nenhum título em sobreposição com terras indígenas.
“Alguns processos podem constar na base consultada devido à desatualização da plataforma cuja responsabilidade é da ANM. A necessidade de conclusão dos trâmites administrativos por parte da ANM e informações supostamente conflitantes no sistema de informações geográficas podem fazer com que haja uma análise equivocada”, disse a empresa, em nota.
A ANM, por sua vez, afirmou que “realiza constantes levantamentos para identificar a existência de processos ativos em sobreposição com Terras Indígenas homologadas”.
“Nas situações em que são constatadas sobreposições com terras indígenas homologadas são eliminadas as sobreposições e assim as poligonais minerárias ficam adjacentes ao arquivo representativo da Terra Indígena […]. Quando há sobreposição integral entre os arquivos, o requerimento de título minerário é indeferido”, disse a agência.
A Belo Sun disse que “desconhece que autorizações de pesquisa de sua titularidade sobreponham terras indígenas no Pará, nunca tendo sido notificada pela ANM ou pela Funai [Fundação Nacional dos Povos Indígenas] sobre sobreposição dos seus títulos”.
O levantamento da Folha de S.Paulo considerou apenas áreas de sobreposição, e não adjacências foram encontrados mais de 1.000 hectares sobrepostos. Atualmente, segundo os dados do ISA (Instituto Socioambiental), que monitora a situação de todos os territórios do país, existem 500 terras regularizadas no país.
Tanto a pesquisa, quanto a lavra e o garimpo não são permitidos em terras indígenas pela lei vigente.
O projeto de lei do marco temporal aprovado pelo Congresso no final de setembro tinha brechas que permitiam, por exemplo, o garimpo ou a construção de usinas hidrelétricas nessas áreas, além de permitir parcerias entre indígenas e não indígenas para a finalidade.
O texto foi parcialmente vetado pelo presidente Lula, mas a bancada ruralista articula a derrubada da decisão e a retomada do texto aprovado pelos parlamentares.
O governo, por sua vez, tenta negociar alternativas para evitar a queda do veto por exemplo, criar regras claras para indenizar os proprietários das áreas que se tornem territórios indígenas.
O tema central do projeto aprovado no Congresso, mas que foi vetado por Lula, é o marco temporal, tese segundo a qual deveria se considerar a ocupação indígena em 1988, na data da promulgação da Constituição Federal, para determinar a demarcação de um território.
Os indígenas criticam a ideia e afirmam que, segundo a Constituição, o direito às terras é anterior à própria criação do Estado e, portanto, atemporal. O STF (Supremo Tribunal Federal) julgou inconstitucional a tese do marco, o que causou a reação do Congresso, que aprovou o projeto de lei como resposta.
Dentre os requerimentos autorizados pela ANM para exploração dentro de territórios, a maioria, 308, é de pesquisa, a primeira fase dos processos, no qual se estuda a viabilidade do empreendimento, mas que já implica em impactos ambientais e para a vida dos indígenas.
Há ainda quase 40 permissões dadas pela agência para garimpo ou mineração dentro do perímetro das terras.
Segundo pessoas do setor ouvidas pela Folha de S.Paulo sob anonimato, a existência da autorização não significa que haja exploração dos recursos, ou mesmo pesquisa. É possível que o requerimento tenha sido aprovado antes da demarcação ou que tenha acontecido um erro no processo da ANM.
Em ambos os casos, no entanto, a permissão não foi anulada pela agência reguladora.
Isso é importante porque a concorrência pelo processo minerário é por ordem cronológica. Ou seja, quem primeiro fez o pedido para determinada área, tem preferência para explorá-la.
Assim, a manutenção dos requerimentos sobrepostos a TIs, mesmo que sem atividade, serve de pressão para que a exploração seja legalizada a empresa detentora da autorização poderia iniciar o empreendimento.
Dos mais de 300 pedidos, 88 são para exploração de minério de ouro, 36 para de areia, 36 de minério de manganês e 25 para cassiterita. O uso industrial das substâncias é o campeão dos registros, com 233, seguido da construção civil, com 36.
A Vale é a empresa com mais requerimentos autorizados, 12, quase todos no Pará. As substâncias em questão são ouro, prata, minério de ouro, estanho, cobre, berílio, minério de cobre e diamante.
“A Vale reitera que não realiza qualquer atividade de lavra ou pesquisa mineral em direitos minerários supostamente interferentes com Terras Indígenas”, afirmou a mineradora.
A mineradora Belo Sun vem em segundo lugar na lista, com 11 pedidos de pesquisa autorizados, todos no Pará e para minério de ouro.
“A Belo Sun não faz, nunca fez e nem pretende fazer pesquisa mineral em terras indígenas, em total cumprimento às normativas legais vigentes”, disse a mineradora.
Os requerimentos de lavra garimpeiras autorizados pela ANM datam desde o início dos anos 2000, mas há permissões concedidas em 2023, durante o governo Lula.
Os Kayapó são os indígenas com mais autorizações de exploração dentro de seus territórios, com 47, seguidos dos Parakanã (23), Xavante (15), Nambikwára (15) e Pataxó Hã-Hã-Hãe (14).
“A ANM tem empreendido esforços para extinção de possíveis interferências entre processos minerários e terras indígenas homologadas”, completou a ANM, em nota.
LUCAS MARCHESINI E JOÃO GABRIEL / Folhapress