SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O escritor Ailton Krenak se vê atribulado entre novos colegas da Academia Brasileira de Letras e amigos de movimentos indígenas vindos de diversos estados do país quando diz que experimenta uma “euforia boa” de ser o primeiro representante de povos originários com uma cadeira na instituição.
“Sinto que faz toda a diferença”, diz à reportagem, por telefone. “Não para o Ailton, mas para os povos indígenas, para a diversidade da cultura, para a pluralidade das narrativas que se assentam na Academia. Agora entram algumas dezenas ou centenas de línguas junto comigo.”
O autor de “Ideias para Adiar o Fim do Mundo” afirma que há no Brasil mais de 200 etnias indígenas e cerca de 180 idiomas diferentes, que se veem refletidos pela primeira vez na casa que se arroga guardiã da cultura letrada do país.
“Nós sempre fomos estudados pelos antropólogos e linguistas especialistas em nós”, comenta ele, em referência aos povos indígenas. “Essa gente toda está apreciada da perspectiva etnográfica. A diferença é chamar todos esses narradores, esses contadores de histórias espalhados em centenas de aldeias para exibir suas línguas, tanto faladas quanto em processo de reconstituição. Assim como se faz no Museu da Língua Portuguesa.”
Krenak afirma querer usar a projeção da Academia para sedimentar o registro e o conhecimento das culturas indígenas pelo Brasil, amplificando um projeto que ele diz ter empreendido durante “a vida inteira”, como por exemplo na iniciativa chamada Biblioteca Ailton Krenak.
É uma experiência rica, segundo ele, não só por causa da diversidade, mas da criatividade. “Proponho à ABL se abrir para essa conexão em que a lusofonia pode estar em diálogo com todo um projeto etnolinguístico.”
O escritor e educador indígena Daniel Munduruku, que disputou a mesma cadeira da Academia e chegou a acusar Krenak de traição por ter se candidatado na frente dele, diz agora que o desentendimento “são águas passadas”.
“Não posso ficar reforçando aquilo só porque ele foi o escolhido pela ABL. Mas, naquele momento, achei que foi uma puxada de tapete, era o que eu tinha em mente, achava ser apto a ocupar a cadeira.”
Munduruku afirma ter certeza de que a eleição de Krenak “foi um avanço para o povo indígena” e diz que não descarta uma nova candidatura. “Eu sou apaixonado pela ABL, porque sou de um povo de ritual e prezo muito uma instituição que se dedica às letras do país.”
Presidente da Academia Brasileira de Letras, o jornalista Merval Pereira celebrou a eleição de Krenak como histórica para a instituição.
“Temos a maior representatividade possível da cultura brasileira aqui dentro [da Academia]. Krenak é um poeta, tem uma visão muito apropriada para esse momento em que o mundo está preocupado com o meio ambiente e a mudança climática. Tudo isso está embutido na sua vitória.”
A acadêmica Heloísa Teixeira, também eleita para a ABL este ano, se disse “feliz da vida” com a eleição de Krenak e reforçou sua relação com o apoio a pautas indígenas que correm no Congresso. “A Academia está precisando, nesse momento do marco regulatório [temporal], dessa representação aqui dentro.”
WALTER PORTO E GUSTAVO ZEITEL / Folhapress