BERLIM, ALEMANHA (FOLHAPRESS) – Regiões de Valência amanheceram nesta quinta-feira (31) sob alerta vermelho emitido pelo serviço meteorológico espanhol. Outras cinco comunidades estão sob aviso de fortes tempestades. A chuva promete ser ainda mais intensa em Castellón, onde pode cair em poucas horas 180 l/m2 de água.
Moradores de La Torre, na região de Valência, tentam limpar casa invadida pela lama na pior tempestade do século na Espanha, que provocou mais de 100 mortos no leste do país Jose Jordan AFP A imagem mostra várias pessoas trabalhando em uma área inundada, tentando remover lama e detritos de um espaço. No dia seguinte à pior tempestade do século, a Espanha já registra 140 vítimas na tragédia e repete um roteiro cada vez mais comum da crise climática: celulares apitando, mais atenção aos alertas meteorológicos, discussão sobre porque eles não foram levados a sério.
“Veja, não é só no Brasil. Foi na Espanha agora, com uma condição sócioeconômica diferente. As pessoas ainda não acreditam nos alertas, não reagem a eles, não se preparam. São alertas de eventos que podem matar pessoas”, diz José Marengo, coordenador de pesquisas do Cemaden, o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais.
“Choveu muito em Valência, o alerta meteorológico havia sido dado, mas colegas espanhóis relataram que o aviso do equivalente deles da Defesa Civil foi disparado muito tarde.”
O aviso por SMS chegou depois das 20h de terça-feira (29), quando a enxurrada já fazia estragos na terceira maior cidade espanhola. O serviço meteorológico do país, o Aemet, alertava desde à véspera para a formação da Dana (depressão isolada em níveis altos, na sigla em espanhol), uma tempestade forte, com granizo, trovoadas e ventanias.
O descompasso alimenta não apenas o necessário debate sobre os procedimentos de emergência como também o bate-boca político. A comunidade de Valência é dirigida por Carlos Mazón, membro do Partido Popular, sigla de oposição ao primeiro-ministro, o socialista Pedro Sánchez. Alberto Núñez Feijóo, líder do PP, em visita à região, fez fortes críticas ao governo central e ao Aemet, um serviço federal.
Depoimentos publicados na imprensa espanhola evidenciam que muita gente não estava preparada ou sequer avisada do fenômeno. “Eles não têm um Cemaden, essa é uma discussão legítima a ser feita”, afirma Marengo.
“É preciso ponderar que o serviço meteorológico é capaz de prever esse tipo de evento, como aconteceu agora. Sabia-se da formação da Dana, as imagens de satélite mostravam isso. É difícil precisar, porém, a intensidade dos eventos. E a coisa lá foi muito violenta, mais de 300 mm em poucas horas, tipo São Sebastião”, diz.
Em 2023, o litoral paulista registrou 628 mm de chuva em 15 horas. Chiva, uma das localidades mais afetadas nesta semana, registrou 491 mm em 8 horas. “Foi tão forte que eles estão analisando dados históricos para saber se não foi a chuva mais forte da história”, conta.
Mais comum no Brasil, o dado em mm de chuva é igual em l/m2, unidade preferida na Europa. “O argumento é de que dá uma ideia melhor da dimensão, do volume.”
O climatologista aguarda a análise do WWA, painel de cientistas de atribuição, mas vê como evidente a responsabilidade do aquecimento global na tragédia na Espanha. “O Mediterrâneo está muito quente, dois graus acima do normal, provocando uma massa de ar quente. O choque com o ar frio potencializa a violência do evento. Parece claro que a causa é antropogênica”, explica.
Algo semelhante ao que ocorre no sul do Brasil, com os ciclones extratropicais, região que registrou inundação histórica em Porto Alegre no primeiro semestre deste ano.
A Dana, também chamada de gota fria pelos espanhóis, é um fenômeno característico do outono da região. Guias de Barcelona, por exemplo, informam turistas e expatriados que é preciso prestar atenção em alertas do fenômeno. “São duas estações chuvosas em Valência, e de setembro/outubro é sempre mais forte. O problema é que virou quase um furacão com o Mediterrâneo tão quente.”
JOSÉ HENRIQUE MARIANTE / Folhapress