BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A discussão sobre o cálculo do índice de inflação a ser usado na correção do limite de despesas do arcabouço fiscal abriu um impasse dentro da gestão de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Uma ala do governo, liderada pelo Ministério do Planejamento e Orçamento, avalia que a baliza adotada pelo Congresso Nacional pode restringir os planos para o novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e dar ao Legislativo um poder de barganha bilionário nas negociações para destravar os investimentos.
O alerta, porém, não tem tido respaldo no Ministério da Fazenda e no Palácio do Planalto, que adotam postura mais cautelosa e tentam evitar um embate com a Câmara dos Deputados, que foi a responsável pela mudança na fórmula.
A ministra Simone Tebet (Planejamento) já afirmou publicamente que o desenho aprovado pelos deputados deve exigir um corte de R$ 32 bilhões a R$ 40 bilhões em despesas de custeio e investimentos no envio do Orçamento de 2024, em 31 de agosto. A pasta, porém, está isolada nos alertas sobre o problema.
O texto do arcabouço até permite que o governo recomponha esses valores durante a execução do Orçamento, por meio da abertura de novos créditos, mas isso só pode ser feito por meio de um PLN (projeto de lei do Congresso Nacional) com aval dos parlamentares para ser aprovado.
Segundo interlocutores ouvidos pela reportagem, o temor é que esses créditos se convertam em instrumento de negociação com o Legislativo, uma vez que, sem eles, diversos projetos de investimento e gastos de custeio ficarão comprometidos.
Técnicos comparam a situação ao período em que o Executivo descumpriu a chamada regra de ouro do Orçamento e precisou de uma autorização especial do Congresso para bancar despesas correntes, como salários e benefícios sociais, com recursos obtidos via emissão de novos títulos da dívida pública.
Os créditos da regra de ouro, negociados ano a ano, chegaram a superar os R$ 200 bilhões e demandaram uma delicada operação de articulação, com reflexos sobre outras pautas de interesse do então governo Jair Bolsonaro (PL).
Com o PLN na mão dos parlamentares, além de empoderar o Congresso, o governo abre brechas para uma gestão mais difusa dos gastos, uma vez que os parlamentares podem realocar as despesas conforme suas preferências. Na prática, eles poderiam escolher contemplar seus redutos eleitorais em vez de acatar as decisões do governo.
Há ainda quem alerte sobre a potencial ameaça aos projetos do novo PAC, elaborado para ser uma das vitrines de Lula que tem como uma de suas promessas de campanha alavancar os investimentos.
O risco é lançar o programa este ano e, já em 2024, ser obrigado a reduzir as despesas orçadas diante do menor espaço disponível no arcabouço fiscal. O tema é visto por alguns membros como uma armadilha política para o governo.
Embora o arcabouço introduza um piso para os investimentos, alguns ministérios já foram obrigados a rever sua lista de projetos para o novo PAC diante do espaço menor no arcabouço aprovado pela Câmara em uma amostra do risco futuro para essa política.
O impasse existe por causa de uma mudança na fórmula de correção do arcabouço. A equipe do ministro Fernando Haddad (Fazenda) propôs, no texto original, atualizar o limite de gastos pela inflação de janeiro a junho do ano anterior, mais a variação estimada entre julho a dezembro do mesmo ano. Essa regra balizou os parâmetros do PLDO (projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2024, enviado em abril.
Durante a votação na Câmara, os deputados preferiram tirar o componente de projeção para evitar que uma inflação superestimada turbinasse os gastos do governo. A correção passou a ser feita pelo índice acumulado em 12 meses até junho do ano anterior.
Como a inflação acumulada até metade do ano será menor do que a variação observada até o fim de 2023, a mudança representa uma necessidade de aperto no limite de gastos para a proposta de Orçamento de 2024. A eventual diferença positiva observada até o fim do ano pode ser incorporada posteriormente por meio dos novos créditos.
O Planejamento tentou emplacar mudanças no projeto no Senado, como uma correção do arcabouço pela inflação até novembro ou dezembro, para tentar amenizar o problema. Outra ideia era colocar no projeto uma autorização para o governo enviar a proposta de Orçamento já com as despesas extras condicionadas à abertura dos novos créditos.
O relator do arcabouço no Senado, senador Omar Aziz (PSD-AM), disse a aliados que não deve incorporar essas mudanças no texto, pois não há acordo entre os líderes. Mesmo que o cenário mude e o pedido do Planejamento seja contemplado, não há qualquer compromisso da Câmara com esse tema. A Casa terá a palavra final sobre o projeto.
Nos bastidores, a avaliação é que a Câmara não pretende abrir mão do poder de autorizar ou não a abertura dos créditos extras, o que garante poder de negociação aos parlamentares algo valioso num momento em que a Casa tenta demonstrar força perante o governo.
Em conversas com aliados, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), tem dito que a versão aprovada pelos deputados é melhor para o governo. No formato original, que atualizava o arcabouço pela inflação estimada até dezembro, o Executivo precisaria contingenciar recursos caso suas estimativas e consequentemente a expansão do limite de gastos se provassem otimistas demais.
No desenho aprovado pela Câmara, se a inflação acelerar até o fim do ano, o governo poderia incrementar os recursos em vez de cortar, afirmam os defensores do modelo.
No Planejamento, há certo desconforto com os rumos da discussão. O Planalto tem cobrado “números mais claros” da pasta para decidir se encampa ou não a briga. Nos bastidores, técnicos reconhecem que o cenário não é favorável, uma vez que o tema está longe de ser uma posição de governo, defendido por todos na mesma intensidade.
IDIANA TOMAZELLI E NATHALIA GARCIA / Folhapress