SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Eu sempre, por instinto, me revoltei contra a desigualdade de direitos entre homem e mulher.” A frase foi dita pela alagoana Almerinda Farias Gama (1899-1999), uma mulher negra que se destacou ao atuar como liderança no movimento sufragista na década de 1930.
Atuou como jornalista e utilizou da função para difundir a discussão sobre a condição feminina, pleiteou cargos importantes com a chegada da Assembleia que elaborou a Constituição de 1934 e consolidou-se como uma das principais representações negras na conquista de mais direitos para as mulheres.
Nascida em Maceió, em 16 de maio de 1899, ela se mudou para o Pará, aos 8 anos de idade, após a morte do pai. Em uma entrevista para o documentário “Almerinda, Uma Mulher de Trinta”, de Joel Zito Araújo, a alagoana conta que passou a infância com muito amor e harmonia.
Quando se mudou para a casa de uma tia, no Pará, ficou nove anos sem ir à escola. No período, aprendeu prendas bordado, crochê e costura e a tocar piano.
Em 1923, casou-se com um primo, mas ele morreu de tuberculose dois anos depois. Almerinda teve um filho do relacionamento, que também morreu quando criança.
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DATA HOMENAGEIA MULHERES NEGRAS
No dia 25 de julho, é comemorado o Dia Internacional da Mulher Negra, Latino-Americana e Caribenha. A data passou a ser celebrada a partir do primeiro Encontro de Mulheres Negras Latinas e Caribenhas promovido na República Dominicana, em 1992. No Brasil, foi instituído por lei federal, de 2014, o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra, em memória à guerreira quilombola que morreu em 1770 em Mato Grosso.
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No ano de 1929, Almerinda mudou-se para o Rio de Janeiro com o objetivo de arrumar um emprego que a pagasse melhor. Nesse período, ela era datilógrafa.
Ao chegar à então capital federal, entrou para a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, liderada por Bertha Lutz, e deu continuidade em sua atuação pelos direitos das mulheres iniciada em Belém.
A alagoana, que também atuava como jornalista e já tinha uma experiência na imprensa contribuindo com artigos sobre a condição feminina, passou a redigir reportagens sobre a questão feminista.
“Foi assim que, então, eu continuei na imprensa sempre a lutar pela emancipação da mulher, e, pelo lado prático, fazendo questão que pagassem sempre o valor do meu trabalho”, afirmou no documentário.
“Almerinda era uma mulher que assumiu muitas funções no grupo [das sufragistas], sendo, a principal delas, um tipo de assessora de imprensa da federação”, afirmou Cibele Tenório, jornalista e doutoranda em história pela UnB (Universidade de Brasília).
Isso porque um dos campos de batalha do movimento, à época, era conquistar a opinião pública. Logo, a imprensa era um lugar em que as feministas precisavam marcar presença.
“Ela era uma pessoa que tinha um domínio da datilografia, que era uma tecnologia do começo do século 20. Escrever à máquina com destreza, como a Almerinda sabia, trazia agilidade para o nível da produção que as sufragistas tinham de nota, de reportagem e de artigos que escreviam.”
A pesquisadora, que dedicou a sua tese de mestrado sobre a trajetória de Almerinda, afirma que no ano que vem se completarão dez anos em que iniciou o estudo. Na época, pouco se sabia sobre a trajetória da alagoana.
Segundo a historiadora, sempre que se falava no movimento sufragista as primeiras imagens que vinham eram de mulheres brancas de classe média, como eram também os grupos sufragistas de outros países.
“No Brasil, as pesquisas mostravam que havia poucas mulheres negras [no movimento], mas, o caso da Almerinda mostra que tínhamos também mulheres negras no núcleo duro das entidades”, afirma Cibele.
“Acho que é importante falar isso, porque havia muita gente junto. Falar da Almerinda é falar do protagonismo negro e das mulheres negras dentro do movimento sufragista.”
Em 1933, Almerinda e Bertha Lutz fundaram o Sindicato dos Datilógrafos e Taquígrafos profissão, à época, majoritariamente feminina, e a alagoana foi a primeira presidente da entidade.
Cibele diz que nesse período houve uma experiência política que nunca mais aconteceu na história do país. Foi a representação de deputados classistas na Assembleia Constituinte. Os presidentes de sindicatos, oficializados juntos ao governo, tinham direito a algumas cadeiras no Parlamento.
“Na impossibilidade de ser indicada por um sindicato de categoria masculina ninguém aceitava uma mulher como presidente, Almerinda e Bertha fundam o sindicato das datilógrafas e a alagoana participa da eleição, em 1933”, afirma Cibele.
O pleito ocorreu um ano depois de as mulheres conquistarem o direito ao voto. Almerinda entra para a história como a única mulher, entre 272 candidaturas, a participar daquela eleição.
No ano seguinte, em 1934, ela se candidatou para a Câmara dos Deputados, mas não conseguiu ser eleita. Porém a sua participação naquele momento foi um marco na história das mulheres na política.
“Eu achava que o voto era uma arma que nós tínhamos para poder ingressar no recinto onde se discutiam esses assuntos”, afirmou Almerinda em uma entrevista, disponível no minidocumentário “Almerinda, A Luta Continua”, do CPDoc/FGV (Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas).
A professora da FGV Thais Blank coordenou o documentário. O roteiro foi escrito pela Cibele Tenório.
O filme usou material de um pequeno acervo da Almerinda que o CPDoc possui, com fotografias, manuscritos e a gravação de uma entrevista que a alagoana concedeu para um projeto chamado “Velhos Militantes”, em 1984.
Para Blank, Almerinda se destacou, primeiro, por ter atuado em várias frentes. “Ela foi tradutora, jornalista, membro da Associação Brasileira pelo Progresso Feminino, delegada do Sindicato dos Datilógrafos e participou da Assembleia Nacional Constituinte de 1934”.
Segundo, por ter sido uma mulher negra e alagoana que impôs o seu desejo de participar da política em um momento em que as mulheres conquistavam esse espaço, até então masculino.
A professora afirma também que uma fala de Almerinda, dita na entrevista e que está no filme, a chamou atenção. “Ela diz que, como não tinha herdeiros, queria deixar o seu legado para as futuras gerações. Era uma pessoa que estava preocupada com essa atuação para o futuro, do que ela podia deixar para as novas gerações, que eu acho muito incrível”, concluiu.
PRISCILA CAMAZANO / Folhapress