Além de fim de remoções forçadas, entenda o que muda com decisão STF sobre população de rua

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu, nesta segunda (21), proibir a remoção forçada de pessoas ou de seus pertences da rua. A corte determinou também a elaboração, em até 120 dias, de um plano nacional para atendimento de pessoas em situação de rua, e de diagnósticos locais para saber o perfil e as necessidades desses públicos no Brasil.

As regras haviam sido adiantadas em decisão do ministro Alexandre de Moraes na ADPF (Arguição de descumprimento de preceito fundamental) 976. Além do atendimento a pessoas na rua e questões de zeladoria, o texto estabelece, em outro eixo, obrigações para União, estados e municípios de produzir dados e políticas públicas sobre o tema.

A decisão atende parcialmente a uma discussão da Rede Sustentabilidade, do PSOL e do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto), apresentada em maio do ano passado.

O tema tem provocado embates sobre como colocar em prática os pedidos, e também é visto como oportunidade para induzir mudanças no atendimento em todo o país. Entre as prefeituras, há uma expectativa de que a definição seja feita a partir dos planos do governo federal e dos estaduais.

Entenda os principais pontos da decisão do STF sobre políticas para pessoas em situação de rua.

REMOÇÃO DE PERTENCES

A decisão do STF não define tipos de item, e essa definição pode recair sobre cidades. Para Laura Salatino, coordenadora da Clínica Diretos Humanos Luiz Gama da Faculdade de Direito da USP e pesquisadora da Fiocruz, a obrigação de formar comitês locais para acompanhamento vai fazer os municípios criarem legislação própria, como é o caso de São Paulo.

“Zeladoria é uma coisa municipal, e essa decisão tem que ser olhada como um todo. Os comitês podem demandar uma legislação sobre que pertences podem ou não ser retirados.” Ainda, ela diz que, com a decisão, aumenta a margem de defesa das pessoas em situação de rua. “É possível, na Justiça, definir o que é material de trabalho, como carroça, papelão, que não poderia ser retirado”.

A capital paulista tem três decretos sobre o tema. O atual é de 2020. “Em ações de zeladoria, somente são retirados os que não são configurados como pertences pessoais, tais como pedaços de madeira, paus, colchões grandes, cadeiras, camas, sofás, barracas montadas e lonas para montar tendas”, afirmou a gestão Ricardo Nunes (MDB) em nota.

Por outro lado, colchonetes, travesseiros, tapetes, carpetes, cobertores, mantas, lençóis, toalhas e barracas desmontáveis são considerados itens pessoais.

Segundo o decreto, não é permitida a ocupação que caracterize o uso permanente em local público. “Principalmente quando impedir a livre circulação de pedestres e veículos, tais como os objetos supramencionados.”

ARMAZENAMENTO DE PERTENCES

Hoje, em São Paulo, caso algum item seja apreendido, a pessoa deve receber um contra-lacre e retirar o item no depósito da subprefeitura da região em até 30 dias corridos.

Segundo Saltino, a Clínica acompanhou uma tentativa de retirada, e a pessoa precisou ir a uma central com documentos e o contra-lacre para agendar a retirada em outro dia em um dos depósitos. “Isso é incompatível com o modo de sobrevivência na rua, porque tem horário de pedir dinheiro, fazer bico, entrada em centro de acolhida, toda uma circulação na cidade.” A prefeitura não explicou esse processo de recuperação.

Por outro lado, os governos devem disponibilizar bagageiros para que as pessoas possam guardar seus pertences caso precisem. Em São Paulo, há 272 compartimentos no Bagageiro da Secretaria Municipal de Assistência Social e Desenvolvimento, que fica na rua Visconde de Parnaíba, 700, no Brás.

REMOÇÃO E TRANSPORTE COMPULSÓRIO DE PESSOAS

O Supremo proibiu que órgãos públicos promovam a remoção ou o transporte de pessoas sem o seu consentimento. Em São Paulo, falhou uma tentativa de direcionar pessoas da cracolândia, atualmente na região da Santa Ifigênia, para uma área sob a ponte Governador Orestes Quércia, conhecida como Estaiadinha, no Bom Retiro (ambos no centro). A medida rendeu críticas e fazia parte de um conjunto de opções para deslocar o público.

Ainda, a corte determinou que as vigilâncias sanitárias sejam acionadas para abrigar os animais de estimação das pessoas encaminhadas a centros de acolhimento.

COMUNICAÇÃO PRÉVIA SOBRE ZELADORIA

Moraes estabeleceu que deve haver ampla comunicação prévia de ações de zeladoria, com horário e local definidos, para que as pessoas possam se preparar e retirar seus pertences. Especialistas ouvidos pela reportagem afirmam que essa comunicação deve ser feita preferencialmente por meio de agentes que abordam as pessoas. Eles poderão indicar, além de bagageiros para guardar pertences, o encaminhamento a algum serviço de acolhida ou saúde.

MAPEAMENTO DE QUEM ESTÁ NA RUA

O Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania do governo Lula (PT), liderado por Silvio Almeida, afirmou em nota publicada em seu site, que pretende se antecipar ao prazo dado pelo STF.

A pasta reconhece, no entanto, o desafio de fazer um mapeamento das populações, e afirmou que assinou um acordo com a pasta de Desenvolvimento Social e o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) para fazer um censo nacional da população de rua. Isso serviria para apontar um problema, segundo especialistas, de quem não é encontrado por não acessar serviços públicos.

O prazo de 120 dias para as cidades, segundo a Frente Nacional de Prefeitos, é viável. “Até porque, todas as cidades acompanham o movimento dessas pessoas”, disse Izaias Santana, prefeito de Jacareí (SP) e vice-presidente de Assuntos Jurídicos da Frente.

CRIAÇÃO DE PLANO NACIONAL

A decisão estabelece que a elaboração do plano pelo Executivo federal deverá ter participação de um Comitê intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional para População em Situação de Rua (CIAMP-Rua), do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), da Defensoria Pública da União (DPU) e do Movimento Nacional da População em Situação de Rua.

Deve capacitar agentes, desenvolver programas de educação, transferência de renda e saúde para essas populações, com o objetivo de que as pessoas deixem a rua.

Nas cidades, segundo Santana, da Frente Nacional de Prefeitos, o planejamento deve esperar os desenhos do governo federal e dos estados. “Mas quando pensamos em avançar em políticas públicas, [o prazo] é insuficiente. O plano municipal deverá ser realizado a partir dos planos nacional e estadual, porque precisa ser enfrentado com a participação das três esferas.”

FIM DA ARQUITETURA HOSTIL

Os governos locais devem vedar as técnicas de arquitetura hostil às populações que estão na rua, assim como dificuldades para acessos a serviços e equipamentos públicos.

O tema vem ganhando força inclusive a partir de denúncias do padre Julio Lancellotti, que deu nome a uma lei de dezembro do ano passado que introduz o tema no país.

O ministério de Direitos Humanos discutia, no fim de julho, a regulamentação da lei Padre Julio Lancellotti com a Casa Civil.

LUCAS LACERDA / Folhapress

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